Texto de Ênio Toniolo - MITOS REPUBLICANOS


MITOS REPUBLICANOS



Nossa república se baseia em alguns mitos, que não resistem a uma análise, mesmo superficial.

1º mito: O povo está sempre ansioso para votar.
Se é assim, por que o voto é obrigatório?  Voto é direito, não dever. Do jeito que está, significa que o sujeito está preparado para escolher o dirigente máximo da nação, mas não para decidir se vai ou não depositar seu voto na urna! Nos Estados Unidos, onde vota quem quer, nas eleições de 1974, só metade dos eleitores compareceram (Folha de S. Paulo, 10-11-1974);  em 1978, 63% do eleitorado fugiu das urnas (Folha de S. Paulo, 19-11-1978). No primeiro turno numa das eleições presidenciais búlgaras, a participação dos eleitores foi inferior a 50% (Folha de Londrina,  23-10-2006). A revista Veja (nº 1971, p. 57, 30 ago 2006)  inquiriu por telefone dois mil brasileiros (agosto de 2006) e descobriu que, se o voto não fosse obrigatório, 57% não iriam votar. Nas eleições para o Parlamento Europeu, só compareceram 45,5% dos eleitores em 2004; em 2009, a porcentagem baixou para 43%.  (Folha de São Paulo, 08-06-2009, p. A-12)

2º mito: A república tem que se basear em partidos políticos.
Que partidos? Os que temos?  Estes grupinhos de aproveitadores, normalmente sem ideologia,  que aparecem,  desaparecem — e o povo nem nota?  O povão não participa deles, desconhece onde ficam as sedes — nem vai lá, porque não teria o que  fazer... No Paraná de 2012, apenas um em cada dez cidadãos filiou-se a um partido. (Ver: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1&id=1256652&tit=Um-em-cada-dez-cidadaos-no-estado-sao-filiados-a-partidos-politicos>.) Em qualquer partido, é uma pequena cúpula que "fecha" em torno deste ou daquele nome. Pronto, acabou. O eleitor não é ouvido nem cheirado. Por exemplo, contam que o Collor hesitou, na hora de escolher o candidato a vice, entre dois nomes de Minas Gerais que arrastassem bastante voto:
Márcia Kubitschek e Itamar Franco. Optou por este. De minha cidade, quantas pessoas o terão ajudado a decidir? Três? Duas? Talvez nenhuma.  Caindo Collor, Itamar assumiu. Quer dizer: Acabamos tendo um presidente escolhido... por pouco mais que uma pessoa – aliás, nem a mais honesta do Brasil...
Não por acaso, apenas 22% dos brasileiros confiavam nos partidos políticos, segundo levantamento feito pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em 2008. (Congresso em foco. Disponível em: <http://congressoemfoco.ig.com.br/ Ultimas.aspx?id=22726>. Acesso em: 11-06-2008)  
Uma apreciação, somente: "O PSDB é um bloco de vaidosos desunidos, sãopaulocêntricos, indefiníveis (direitistas de esquerda ou esquerdistas de direita?), sem pose e sem discurso diante do sucesso estrondoso de Lula." (MALBERGIER, Sérgio. Carcará nos Bandeirantes.  Folha de São Paulo¸18-02-2010.  Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/sergiomalbergier/ult10011u695440.shtml>. Acesso em 20-02-2010).
Imagine,  o governo militar,  de uma canetada só,  acabou certa vez com todos os partidos.  Duvido que se atrevessem a fechar o Flamengo ou o Corinthians:  Haveria guerra civil. 

3º mito: Os partidos políticos são os canais naturais para as diferentes correntes ideológicas.
Certo. Então, deveríamos ter uns quatro ou cinco partidos:  (1) o anarco-soviético dos radicais; (2) o socialista democrático; (3) o conservador udeno-pedessista  dos proprietários e classe média; (4) o católico monarquista de direita.  Pronto. Acabou. Mais algum?  Por que então esta lista  infindável de PRs e PSs?

"No Brasil, as visões de mundo não são representadas pelos partidos. É mais fácil encontrar uma ONG do que um partido para defender uma idéia. É o sinal eloquente da nossa debilidade partidária." (PETRY, André. O país do partido único. Veja, nº 1861, p. 49, 07 de jul. 2004).

Tanto os partidos pouco representam que a fidelidade partidária em nosso país é uma piada: "Nos Estados Unidos, menos de trinta deputados mudaram de partido nos últimos 100 anos. No Brasil, 114 deputados federais fizeram a mesma coisa apenas nos últimos doze meses."  "Na legislatura passada, 250 deputados trocaram pelo menos uma vez de partido. É  quase a metade da Câmara."  (NASCIMENTO, Solano. Deputados cangurus. Veja, São Paulo, nº 1.840, p. 54-55, 11 fev. 2004). O mandato deveria pertencer ao partido, não ao candidato eleito.

4º mito: Democraticamente, os partidos majoritários é que governam.
Não exatamente. O PcdoB elegeu onze prefeitos nos 5.550 municípios brasileiros – não mais que 0,2%  - e foi premiado com a presidência da Câmara dos Deputados.  "Aldo Rebelo deve ser um gênio e poucos perceberam. Pertence ao PC do B, um partido (?) com apenas 9 deputados em 513. Apesar disso conseguiu arrancar do presidente Lula, 2 ministérios, um para ele mesmo." (FERNANDES, Hélio. 35 anos de esquecimento e falta de memória. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 07-11-2005. Disponível em: <http://www.tribunadaimprensa.com.br/coluna.asp?coluna
=helio>. Acesso em: 07-11-2005).

5º mito: A república se baseia na alternância no poder.
Ilusão. Quando um grupo empolga o poder, faz de tudo para não largá-lo mais. Às vezes, até movimentos armados. Basta olhar à nossa volta, e ver quem era candidato em 2004, 2002, 2000, 1998... São praticamente os mesmos. O PSDB se dizia parlamentarista; mas o presidente que eles elegeram, FHC, modificou a Constituição para reeleger-se –  o primeiro a fazer isto em nossa história republicana. Nas eleições para governador do Paraná, de 1982 a 2010, "em nada menos de 28 anos, apenas quatro famílias estiveram envolvidas na disputa governamental: Richa, pai e filho; Requião (três vitórias e uma derrota); os Dias (Álvaro e Osmar, quatro vezes) e o Lerner, duas vezes." (MAZZA, Luiz Geraldo. Folha de Londrina, 03-10-2010, p. 4). Itamar Franco entrou na política em meados dos anos 50, nas fileiras do PTB.

6º mito: O povo tem liberdade de escolher o presidente que desejar.
É quase verdade, mas o povo não escolhe os candidatos. Em 2002, uma população claramente conservadora teve que escolher entre quatro esquerdistas: "Na última eleição presidencial foi a mesma coisa. Tinha o social-democrata José Serra, o social-reformista Ciro Gomes, o social-sindicalista Lula, o social-populista Anthony Garotinho." (GUEDES, Paulo. Liberal sem medo. Veja, São Paulo, nº 1939, p. 11, 18-01-2006. [Páginas amarelas. Entrevistadora: Lucila Soares].) Em 2010, a mesma coisa: "Os quatro principais candidatos presidenciais são da esquerda: Dilma, Serra,Ciro e Marina." (MAZZA, Luiz Geraldo. Folha de Londrina, 11-04-2010, p. 4). No segundo turno, o povo obrigado, mas desinteressado, quase sempre se contenta em votar no menos pior...  São as migalhas ilusórias que  a democracia oferece.

7º mito: Qualquer cidadão pode candidatar-se a qualquer cargo, dentro da lei.
Há quem diga o contrário: "Deixando à parte o custo físico (cansaço, desgaste, riscos, etc.) e o moral (exposição, riscos, etc) que de alguma forma e em algum nível sempre estão presentes na atividade pública, no Brasil, o voto é absurdamente caro. A ausência de partidos organizados aliada a um sistema eleitoral simplesmente maluco – em nível que talvez em nenhum outro país exista – transformaram a disputa eleitoral em privilégio de ricos, demagogos, corruptos, ingênuos, incompetentes e energúmenos, levando a que os quadros mais qualificados intelectual e eticamente da classe média abdiquem em massa da carreira política. O PT e a nova classe são em grande parte produto desta situação." (DACANAL, José Hildebrando. A nova classe: o governo do PT no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Novo Século, 1999. p. 62).  As fraudes são antigas: na República Velha, "naqueles tempos de eleições fraudadas,  nenhum candidato de oposição venceu. Até Rui Barbosa havia sido derrotado, anos antes."  (Carlos Chagas, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 09-10-2011) O primeiro oposicionista a vencer, de 1889 a 1960, foi Jânio Quadros. E sobre o papel do dinheiro nas eleições, basta lembrar o levantamento de uma ONG:  "As ofertas de compra de votos atingiram níveis alarmantes nas eleições de 2006. Mais de 8,3 milhões de eleitores foram instados a vender seu voto. Esse contingente de eleitores é maior do que a soma de todos os votos depositados nos estados de Roraima, Amapá, Acre, Tocantins, Rondônia, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Amazonas."  (Disponível em: <http://www.transparencia.org.br/index.html>. Acesso em: 10-02-2007)  Ou citar um cronista paulistano: "O assumidíssimo financiamento ilegal de campanhas é um dos crimes fundadores da República, que torna a atividade política, no final das contas, uma atividade em grande medida criminosa já que bancada por caixa dois." (MALBERGIER, Sérgio. O silêncio dos publicitários. Folha de São Paulo, 24-07-2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/sergiomal bergier/ult10011u425960.shtml>. Acesso em 25-07-2008)  "(...) o maior dos males em nossa política é o financiamento das campanhas eleitorais. Foi montada uma engrenagem que dá vantagem a candidatos sem compromissos com os eleitores, mas apenas com os financiadores que cobrarão a fatura adiante."
ALENCAR, Kennedy. Lula e os fariseus. Folha de São Paulo, 24-10-2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/kennedyalencar/ult51 1u642752.shtml>.Acesso em 28-10-2009.


8º mito: Os vereadores, deputados, senadores  representam o povo.
Falso. Eles, na campanha, nunca dizem o que vão defender, que projetos irão apoiar. A  gente vota no escuro! Se eles  revelassem previamente suas idéias, não  precisaria haver lobbies depois das eleições...

9º mito: Os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) são independentes entre si.
Nem sempre – ou quase nunca.  Afirmam alguns que temos, sim, três poderes: Executivo, Executivo e Executivo. É ver os Tribunais de Contas, em que o Presidente (ou governador) nomeia aqueles que... vão julgá-lo! Caso do Paraná: "Afinal de contas, sempre foi assim. Lerner emplacou o próprio cunhado no Tribunal de Contas. Requião, ainda mais afeito ao nepotismo, colocou lá o seu irmão caçula. Richa, na primeira vaga que pôde, colocou um auxiliar. Até o fim do mandato, haverá mais três vagas em disputa. O ideal seria que o governador se afastasse do processo, deixando prevalecer o critério técnico. Mas isso, é claro, ninguém precisa ter notório saber para adivinhar: não vai acontecer."  (GALINDO, Rogério Waldrigues. Bola de cristal prevê comportamento dos deputados. Caixa Zero, Gazeta do Povo, Curitiba, 18-06-2011. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/blog/ caixazero/ >. Acesso em 19-06-2011)

Agora, se você apontar estas "maravilhas", caem de pau em cima:  "Fascista!  Antidemocrata!"  E continuam docemente ocupados em roubar o contribuinte...

Ênio José Toniolo

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