Procura e discernimento
AFONSO DE SOUSA CAVALCANTI
Produção filosófico-científica organizada por Afonso de Sousa
Cavalcanti. Trata-se de um livro com exercícios para o leitor exercitar a mente.
Periódico semestral – voltado às Ciências Humanas e Ciências
Sociais Aplicadas.
SUMÁRIO
Editorial.......................................................................................................................4
Unidade I. Conceito e atributos da ética. Atividades...................................................5
Conceito e atributos da ética........................................................................................5
1.1 Introdução.............................................................................................................5
1.2 A conduta do homem ............................................................................................8
1.3 A moral nas posições absoluta e relativa.............................................................10
2. Pluralismo moral....................................................................................................11
2.1 A vida com equilíbrio: a moralidade...................................................................12
2.2 O bem por excelência: a felicidade......................................................................14
2.3 A cidadania..........................................................................................................14
2. 4 A solidariedade...................................................................................................15
Conclusão...................................................................................................................17 Unidade II..A pluralidade ética. Atividades..............................................................19
A pluralidade ética.................................................................................................... 20
A ética do bem supremo........................................................................................... 20
A ética segundo Sócrates.......................................................................................... 20
A ética segundo Platão.............................................................................................. 21
A ética em Aristóteles............................................................................................... 22
A ética em Epicuro ...................................................................................................23
A ética no Estoicismo............................................................................................... 24
A ética experimental................................................................................................. 25
A ética segundo os anarquistas..................................................................................25
A ética para os utilitaristas....................................................................................... .26
A ética e os cépticos...................................................................................................27
A ética subjetivista ....................................................................................................29
A ética do foro íntimo da pessoa ..........................................................................................30
A ética e a fundamentação dos valores................................................................................ 32
Unidade III. A ética com responsabilidade e solidariedade. Atividades...............................36
Unidade III. A ética com responsabilidade e solidariedade................................................ .37
A ética e a religião podem ser vistas na ética cristã..............................................................37
A religião e a ciência necessitam do método e da transcendentalidade................................41
Conclusão..............................................................................................................................46
Unidade IV.A ética e a política. Atividades........................................................................ 48
Unidade IV. A ética e a política: na visão absolutista e totalitária...................................... 49
I. Por uma ética na política: confronto entre os pensamentos de Thomas Hobbes e John Locke ....................................................................................................................................50
II. As origens do totalitarismo: totalitarismo, o paroxismo do poder...................................70
Unidade V. A ética na profissão e no trabalho público. Atividades.................................... 75
Unidade V. A ética na profissão e no trabalho público.........................................................75
Conclusão..............................................................................................................................79
Referências............................................................................................................................80
EDITORIAL*
O sujeito para alcançar o conhecimento necessita ir em busca do objeto. Ao fazer ciência, tudo se torna mais prático. Na busca das causas e na análise apurada destas, por intermédio da lógica, leva-se a crer que os resultados das pesquisas virão facilitar o modo de viver. No encontro do sujeito com o objeto nasce o poder do discernimento e da sensibilidade sobre o certo e o errado, o falso e o verdadeiro, o justo e o injusto – e daí surgirão resultados cada vez mais extraordinários que demonstrarão a metodologia que pode ser guiada por princípios dialógicos
, dialéticos e experimentais. Sem pressa de obter resultados, o pesquisador descobre a melhor forma de viver de forma moralmente boa e ética.
A percepção humana é um instrumento que reanima o sujeito humano a pensar e a criar novas tendências sociais, cultivando a tolerância e afastando a brutalidade, a omissão e a alienação. Os que conseguem perceber os acertos morais e as decisões éticas, estes abraçam com firmeza a liberdade.
Procura e discernimento, neste exemplar, conjuga a prática com a teoria e propõe produzir saberes, com qualidade e em preferência às necessidades sociais, conforme é a exigência filosófica que procura afastar os mitos, a intolerância e a ignorância, todos filhos da irracionalidade. Esta produção incentiva a reflexão e quer apresentar solução aos impasses do conhecimento que tem por finalidade formar cidadãos capazes para conduzir a sociedade que sofre com o colorido do econômico-sócio-político-religioso.
Espera-se que o trabalhador e profissional possa transcender suas ações diárias, alcance a autonomia e seja sujeito de múltiplos saberes.
Prof. Dr. Afonso de Sousa Cavalcanti – Docente de Filosofia e Sociologia na FAFIMAN.
Procura e discernimento, Mandaguari, v. 1, n. 3, Jan - jun /2006.
Unidade I.
CONCEITO E ATRIBUTOS DA ÉTICA
Atividades.
a) Diferencie, com suas palavras, os termos moral e ética.
b) Cite dois exemplos que explicitem moral absoluta e moral relativa.
c) Defina o que é o sujeito moral. Cite pelo menos um exemplo.
d) Diferencie desejo de vontade.
e) Cite pelo menos 3 características do sujeito moral.
f) Cite dois exemplos que caracterizem o sujeito ativo e o sujeito passivo. Procure refletir em qual deles você se encaixa, tendo em vista suas atitudes e procedimentos. g) Escreva um texto dissertativo, com pelo menos 10 linhas, de forma a expressar bem os termos moralidade, felicidade, cidadania e solidariedade. Escreva um texto, de pelo menos 10 linhas que explicitem estes termos.
h) Comente esta frase: "A ética e a moral têm fundamento no pensar filosófico".
i) Explique as três grandes teorias éticas: a eudemonista, a contratualista e a utilitarista, de acordo com a moralidade.
CONCEITO E ATRIBUTOS DA ÉTICA
1.1. Introdução.
Para que se pense sobre a ética, percorrendo a crise moral que a humanidade vive, não tem como fugir de alguns princípios básicos que explicam os termos justiça, liberdade, igualdade, moralidade, solidariedade, reciprocidade – questões estas que remetem os seres humanos à felicidade. Estes termos têm um núcleo comum: o entendimento e o sentimento.
A crise moral fundada na violência, no egoísmo, na má distribuição de rendas, na falta de sorte e no comodismo, esta se consolida na perda de valores morais. Possivelmente o caminho mais curto para sanar tal crise é o de repensar a respeito do senso moral e da consciência moral. Em pleno século XXI, os meios de comunicação mexem muito com a opinião pública e chamam atenção para a solidariedade. As ciências sociais advertem que a solidariedade necessita de três subsídios básicos: o "know How" (como fazer, saber fazer – a tecnologia); os preceitos (as leis, as normas, as regras, os princípios da consciência); os sentimentos (expressões que nascem do saber fazer e do cumprimento dos deveres). A aquisição destas variáveis transforma o sujeito e indica que ele, aos poucos se afaste das filas dos subempregados e desempregados; que ele construa um jeito melhor de viver, preservando-se e ajudando os outros seres humanos que com ele convivem a não permitir mais as crises de violência, as torturas, as explorações de menores, os crimes sem punição, o cinismo dos mentirosos e dezenas de outros agravantes que impedem a razão humana de se conduzir à felicidade.
O senso moral é a capacidade humana que remete o sujeito humano à tridimensionalidade da conduta ética: o verdadeiro, o bom e o belo. O valor do verdadeiro é expresso em leis que têm como fundamento a estima do bem. Da mesma forma, o belo arranja as melhores formas para harmonizar o particular e o universal, para superar as dependências e se garantir na capacidade criativa do ser humano. O bem ético torna-se medida, converte-se em regras, em normas, e faz os sujeitos postularem por um comportamento que eles mesmos escolhem, simplesmente porque percebem seu dever ser. O dever está implícito no bom senso, que por sua vez, faz o sujeito escolher entre os valores que ele mesmo elege como necessários – a isso pode se dizer que é a finalidade da existência humana (REALE, 1999, p. 388-389). A ação humana submete o homem ao meio social e histórico. Os laços tradicionais e lingüísticos, preservados e transmitidos pela educação, pesam no presente e projetam os agentes para que façam valer suas idéias-força, seus projetos existenciais, de forma a cativar e envolver a coletividade.
O senso moral no sujeito humano recebe o nome de consciência moral. Esta consciência o leva a agir, decidir, enfrentar as mais cruéis conseqüências. Na medida em que o sujeito aumenta sua reflexão, surge, para ele alguns valores fundamentais (a honradez, a capacitação, o sacrifício, a solidariedade, a generosidade, a integridade, a amabilidade e tantos outros). Os valores - em forma de virtudes – surgem em sua vida e o impulsiona para a ação legítima de seu ser (como é o caso da vergonha, da culpa, do remorso, do medo, do amor, da dúvida, do conhecimento e de outros).
A consciência moral fundamenta-se nos juízos de valor e de realidade. O fundamento dos valores vem sustentar para o sujeito o medo de errar, a vergonha de tirar uma nota baixa, o remorso por fugir de ter de cumprir o dever. Ao realizar tais ações, o homem fez um juízo de fato e este se torna um juízo de valor quando o mesmo for pesar suas ações. O medo de errar, a nota baixa, o remorso, estes causam reprovações para nosso ser.
Os juízos éticos têm em si valores que são apontados pelas normas. Tornam-se imperativos que impulsionam os sujeitos para o dever ser. Não se pode falar de normas, de comportamento ético, se não houver indicativo ao dever ser, às obrigações. Quem é ético cria para si mesmo juízos éticos de valor.Tais juízos apontam ao sujeito as noções de bem ou de mal, de verdadeiro ou de falso, de justo ou de injusto. O juízo indica que o bem conduz à felicidade e o mal à infelicidade. O senso moral e a consciência moral são inseparáveis do convívio social. Não se pode afirmar que existe senso moral em uma sociedade, se as variáveis sociais: a tecnologia, os preceitos e os sentimentos, não estiverem constantemente produzindo as questões do bem, do verdadeiro e do belo.
Esta pesquisa demonstrará algumas questões fundamentais: diferenças entre moral e ética, especificamente no tocante moral absoluta (verdade absoluta) e moral relativa (verdade relativa); a conduta humana que destaca o homem ativo e o homem passivo; o pluralismo moral que apresenta a moralidade como equilíbrio da vida; a felicidade destacando finalidade da existência; a cidadania tendo por base a realização individual e coletiva e a solidariedade como modelo de exercício humano; a ética nas suas quatro formas: a ética do bem supremo, a ética empírica, a ética do foro íntimo e a ética dos valores; relações entre ética, estética e dialética; relações da ética com outras ciências; a ética e a sociedade; a ética e o destaque de algumas profissões.
1.2 A conduta do homem
Os homens, dotados de possibilidades de desejo, de vontade e de razão; portadores de sensação, de imaginação, de comunicação, de sociabilidade, de interação com a natureza e com a sociedade, não podem ser tratados como coisas mas sim como sujeitos. Pelo fato de o homem ser sujeito, pessoa, é portador de possibilidades para conhecer e ao mesmo tempo de valores éticos. Estes valores determinam a personalidade e proíbem atos ilícitos como a exploração, o comodismo, a omissão e a geração de conflitos.
Os valores éticos apontam para o sujeito os seus limites, os seus controles contra todos os riscos e violências. Os valores definem a consciência moral e fazem com que o sujeito controle os seus desejos, os seus impulsos pessoais que são motivados pela pressão social. Através da consciência moral que é regida pela racionalidade, que o sujeito humano determina o chamado atos da vontade contra os atos do desejo. É a ação voluntária do homem que o impulsiona a tomar atitudes entre os meios e os fins. Muitas vezes os meios são imorais e cabe ao sujeito renegá-los. Aceitá-los é faltar com os valores éticos. A vontade necessita ser livre. A liberdade da vontade indica que o sujeito não está sob o poder de outros e nem de paixões e instintos. A vontade deve imperar sobre o sujeito regida pela racionalidade. A ética está no sujeito moral e este existe de fato, se a sua vida for dotada de virtudes.
O verdadeiro homem moral e ético é aquele que está para si, para os outros e para todas as coisas do mundo. Alguns atributos são indispensáveis a este sujeito moral e ético: a) perceber-se como sujeito dotado de capacidade reflexiva e ao mesmo tempo reconhecer os outros homens como seus semelhantes (iguais em humanidade); b) controlar seus desejos, paixões, instintos, sentimentos, através do livre arbítrio. Ao controlar-se, o sujeito decide e delibera sobre as diversas alternativas oferecidas pela natureza das coisas; c) agir e responsabilizar-se por suas ações, frente a si mesmo, aos outros e às coisas do mundo. Suas ações serão responsáveis na medida em que assume as conseqüências; d) tornar-se livre e senhor de si para reger seus sentimentos e ações e não se submeter às forças e aos poderes externos que interfiram em seus sentimentos e querer. Ser livre é poder autodeterminar-se através dos preceitos escolhidos por sua própria conduta.
O sujeito ético, como qualquer outro agente, coloca-se diante da passividade e da atividade. O sujeito passivo é aquele que vive uma moral heterônoma e se deixa dominar pela vontade dos outros, por seus impulsos, paixões, instintos, pela sorte indeterminada. Não se deixa levar por sua própria consciência, não é livre e nem responsável. O sujeito ativo vive uma moral autônoma e se limita nas virtudes, agindo com regras profundas que foram escolhidas livremente por ele. O mesmo controla seus impulsos, desejos, paixões e consulta a todo instante sua consciência moral que é dirigida pela razão. Ao mesmo tempo, considera os outros seres humanos e se afasta de qualquer tipo de subordinação, de violência e de má intenção.
A ética norteia a conduta dos homens e aponta valores para a cultura e a sociedade. Uma sociedade que cultiva os valores éticos julga antecipadamente os seus procedimentos e determina que todos os seus membros, movidos por fortes imperativos do dever ser, se afastem do crime e da violência, do mal e do vício. Como meta final aponta os caminhos do bem e da virtude.
A ética está presente em dezenas de ações intersubjetivas e sociais. Está na História, na política, na economia, na religião e em todas as ações sociais. Os meios exigem a presença da ética para que o sujeito alcance um fim justo. Não é viável um fim justo através de meios ilícitos. É impossível que uma liderança social seja bem sucedida e que os fins alcançados sejam morais, se os seus liderados forem subordinados por suas mentiras, invejas, crueldade, adulação, exploração.
A filosofia nos orienta no sentido causa e efeito. Neste mesmo raciocínio, pode-se afirmar que a ética é uma disciplina que orienta o sujeito em relação aos meios e fins (CHAUÍ, 1997, pp. 334-338; ARANHA E MARTINS, 1995, pp. 273-282).
1.3 A moral nas posições absoluta ou relativa.
Os preceitos morais ou éticos são imperativos que levam os sujeitos ao dever ser. A norma de conduta vem de um valor e este valor está, para alguns, condicionado ao conhecimento da norma ética de forma a priori e, para outros, o conhecimento está na ordem empírica.
Afirmam os defensores da norma ética absolutista e apriorista que o homem "é dotado de certa bússola natural que o predispõe ao discernimento do que é certo e errado em termos éticos" (NALINI, 1999, p. 37). Dentro do homem está a possibilidade ao bem e ao mal, à verdade e à falsidade. A própria condição moral, intrínseca à natureza do homem, possibilita que ele, através de sua sensibilidade e entendimento, arranque a resposta certa e decida pelo que é melhor. O homem possui em si mesmo uma consciência estimativa do sentido do valor das coisas. É pela estimativa, pela escolha do valor que agimos. Ao agir com base no valor escolhido, sentimos que nossa ação foi moral. Ao agirmos contrários ao valor eleito, percebemos que nossa ação foi imoral. A ação parece justa ou injusta, se está ou não fundamentada no critério de estimação, na conscientização que o sujeito possui. O escritor Ernesto Hemingway "conceituou moral como aquilo que nos faz sentir-nos bem depois e imoral aquilo que nos faz sentir-nos mal depois"(NALINI, 1999, p. 38).
Para os empiristas ou relativistas não existem valores intrínsecos à subjetividade humana. O sentido do bom e do mal, do falso e do verdadeiro, do justo e injusto, está condicionado ao tempo e ao espaço, às experiências vividas pelo sujeito. As ações boas, verdadeiras e justas dependem da criatividade. Na medida da criatividade humana, os homens criam as normas morais como mero convencionalismo. Os valores dependem da vontade dos homens. Os sujeitos elaboram os valores conforme o momento histórico e de acordo com a sociedade.
Confrontando as defesas das normas absolutistas com as relativistas, verifica-se que os absolutistas tornam-se dogmáticos e fundamentalistas quando defendem que os valores não são criados e nem transformados pelo homem. Ao mesmo tempo, os relativistas ou empiristas podem também cair no erro ao afirmar que o procedimento humano está subordinado às decisões das ciências. Cabe à ética como parte refinada da moral, afinar o pensamento humano para tecer uma crítica ponderada entre as decisões de ordem científicas e metafísicas.
Já que um de nossos objetivos é apontar as várias éticas e discutir sobre seus objetos, em primeiro lugar cabe uma conceituação apurada do que é ética e qual é seu objeto.
A Ética é uma ciência - parte refinada da moral - que tem por objetivo estudar o comportamento do indivíduo no convívio social. Não se pode descartar o comportamento ético individual sem que este esteja para o convívio social. A ética é de fato uma ciência e seu objeto é o comportamento moral. A moral expressa os costumes. No convívio social, é importantíssimo que se esclareça que o objeto da ética atinge a moralidade positiva. A moralidade positiva representa o conjunto de normas que regula a vida dos homens no convívio social, em busca do bem, da verdade, da legitimidade, da igualdade e da justiça Melhor esclarecendo: ética vem de ethos (costume em grego), ao passo que moral vem de mos, moris (costume em latim). O ato é moral somente depois que foi apresentado, discutido e aprovado pelos que participam do grupo social. O ato é ético a partir do momento em que o sujeito compreende o significado de sua ação e age de livre e espontânea vontade, a partir das decisões morais do grupo em que ele está inserido.
2. O pluralismo moral.
Ao tratar do pluralismo moral, faz-se necessário observar alguns problemas fundamentais da História da Ética:
2.1 A vida com equilíbrio: a moralidade.
As moralidades têm por meta observar os princípios que podem ser considerados legítimos e que estão no homem. Elas não são fenômenos simples e estão para o conjunto da vida social com o objetivo de cumprir diversas funções. Podem ser apontadas três funções importantes: a) garantir ao indivíduo um modelo de comportamento; b) assegurar o equilíbrio entre os diversos membros do grupo; c) garantir a igualdade entre todos, protegendo os mais fracos, de forma que a sociedade tenha uma forte coesão social.
As três funções, anteriormente mencionadas, proporcionarão, segundo a teoria ética, alguns privilégios tais como: 1. Os bons hábitos da saúde e da felicidade; 2. Os bons hábitos da justiça, da reciprocidade e da solidariedade; 3. Os bons hábitos da simpatia e do humanitarismo. Em conseqüência aos privilégios obtidos pelos sujeitos do grupo, podem ser ressaltadas três grandes teorias éticas: a eudemonista, a contratualista e a utilitarista. As três têm um grande componente sociológico que preenche seu objeto de estudo. Cada uma responde aos acontecimentos sociais circunstanciais, segundo a História.
A ética eudemonista, ética do bem supremo, está encarnada na cultura de uma sociedade que focaliza uma escala de valores, especificamente através da capacidade reflexiva, do hábito de fazer ciência, de cultivar a indução e a dedução. A ética contratualista é o modelo específico da sociedade moderna. O contrato garante aos indivíduos os seus direitos. Sem o contrato social não se pode falar da garantia dos direitos e nem da obrigação do Estado para com o indivíduo. A ética utilitarista é um modelo mais genérico, mais universal. Sua importância valiosa está em orientar a ação social coletiva para as sociedades heterogêneas. Um autor característico que podemos observar as três teorias é Aristóteles. Este pensador destaca o eudemonismo, prima sempre pela ética dos bens. A filosofia grega tem um forte fundo utilitarista. A racionalidade busca imediatamente a prática da vida, a utilidade. Da mesma forma, o aristotelismo ressalta a teoria da justiça e nesta teoria destacam-se as idéias necessárias ao contratualismo.
Até o presente, esta exposição não afirma que seja possível uma teoria ética modelo exemplar, ou seja, uma ética que nos permita deduzir todos os juízos morais daqueles que, em razão, temos como certos e bem seguros Os diversos enfoques podem nos apresentar conflitos. O importante para estas reflexões seria se pudéssemos encontrar uma forma ética, matriz oficial, que nos conduzisse com segurança como acontece com as definições da justiça e da caridade. As diversas sociedades não possuem uma mesma constante valorativa, não seguem a mesma trilha da moralidade e para tanto, as diversas teorias éticas oferecem subsídios concretos para estas sociedades.
O pluralismo ético enfrenta dificuldades e nem sempre é compatível com as funções que a moralidade desempenha no seio da sociedade. Qualquer moralidade tem enorme dificuldade para conduzir a idéia de perfeição ao convívio humano. Talvez as morais religiosas tenham mais facilidade para atingir tal perfeição. Os homens estão para a vida da mesma forma que sua consciência está para a reflexão de todas as coisas que os cercam. As pessoas, de forma geral, têm o hábito de ver as coisas pela sua própria ótica, agindo conforme seus princípios e interesses. (Cada um vê as coisas de sua forma e age conforme os seus princípios e interesses. Agir desta forma pode haver comprometimento ético) As posturas individuais muitas vezes se chocam com o coletivo. Digamos que a postura do político entre em conflito com a do pintor e com a do apóstolo. Cada um supõe uma postura diferente frente ao sentido da vida, da felicidade, dos direitos do homem. Fica a pergunta: é possível uma forma moral que estabeleça princípios universais válidos para as diversas posturas individuais? As decisões do político, muitas vezes estão distantes dos interesses do servidor público ou particular. Suas ações legais, muitas vezes perdem o colorido diante das exigências reguladas pelo apóstolo da religiosidade que se ajusta pelas letras da linguagem revelada. (SAENS, 1995. pp. 1-7).
2.2 O bem por excelência: a felicidade.
Foi a partir da felicidade que teve início a discussão ética. O caminho certo para encontrar o fundamento da moral está na arte de viver. A arte de viver consiste na busca da felicidade. Por felicidade, entende-se a grande satisfação em que o sujeito desempenha sua consciência em busca de desenvolver por completo suas melhores qualidades. Ao sobressair as qualidades do sujeito, este tem consciência de sua excelência. Cada homem destaca sua excelência no modo em que vive. O médico é eficiente quando faz uma cirurgia; o professor é convence quando aplica um conteúdo aos seus alunos; o motorista do Reitor é prudente ao fazer as viagens necessárias, etc. Cada um cumpre adequadamente as exigências de sua atividade, sendo justo, observador, cuidadoso, exemplar.
Aprofundaremos esta questão, mais precisamente quando tratarmos especificamente sobre a ética dos bens.
2.3 A cidadania.
O indivíduo somente se realiza se cumpre às exigências sociais. Na ética grega, ao cumprir as exigências sociais, o sujeito alcança o estágio das virtudes, torna-se justo e cuidadoso. Para que o homem se realize é necessário que este se torne cidadão e cumpra as leis, às quais está submetido. A realização, portanto, para os gregos e romanos, estava em exercitar o "animal político", como queria Aristóteles. O mesmo não acontece se observarmos a filosofia indiana. Naquele sociedade, "el hombre sólo se realiza em el retiro ascético, como individuo-fuera-del-mundo"(SAENS, 1998, p. 16). A realização é algo individual, intrínseca ao sujeito, e não depende das leis externas. A interpretação eudemonista da sociedade antiga demonstra a concepção holística, isto é, os objetivos da sociedade têm prioridade sobre os objetivos individuais. Na modernidade, os objetivos individuais superam os objetivos da sociedade. A concepção holística tende a regredir. O Renascimento abre uma nova página em favor do individualismo. O homem se vê frente às novas descobertas do amor, à valorização do corpo, à novas formas de ascetismo, às invenções inovadoras, ... O individualismo sobressai na filosofia, na literatura, na pintura, na Teologia, e origina uma nova cultura "que sostiene la prioridad moral de los objetivos razonables de los individuos frente a los 'objetivos' de la sociedad" (SAENS, 1998. p. 17).
A reciprocidade corresponde à troca de favor, um para com o outro. Para que o homem se realize, ele necessita permanecer no mundo e cumprir as normas estabelecidas para ele. Para Martinho Lutero, o pai de família é mais perfeito que o monge. O pai necessita trabalhar muito e se desgastar todos os dias para educar os seus filhos. O monge pode levar uma vida contemplativa e muitas vezes ausente dos problemas sociais. Para Aristóteles, a reciprocidade humana está no próprio ser humano. O homem necessita viver na cidade para se realizar. A sociedade holística é aquela em que o indivíduo está subordinado aos interesses desta sociedade. A sociedade é um meio para que os indivíduos realizem os seus próprios valores.
A reciprocidade no matrimônio está no amor e este nasce com o firme enamoramento do casal. O casamento é uma instituição, e toda instituição termina com o individualismo. Se observarmos as instituições religiosas, elas cultivam a vida comunitária para dar fim ao individualismo. Para Santo Agostinho ou outros religiosos, no momento em que os religiosos se reúnem para cantar o ofício divino, este ato representa um esquadrão enfrentando o Maligno. O homem sozinho é vencido por si mesmo.
A cidadania é um direito de todos e exercê-la é desenvolver a autonomia e o respeito a si mesmo.
Aprofundaremos mais esta questão no tratado sobre a ética dos valores, especificamente com Nicolai Hartmann e Max Scheler. Exercer a cidadania é de fato sustentar valores. Esta questão será aprofundada no texto fundamentação dos valores que será estudada na pluralidade ética.
2. 4 A solidariedade.
A sociedade humana corresponde aos interesses plenos do indivíduo. A ética aristotélica é modelo natural dos fenômenos naturais. É vivendo na sociedade que o homem pode expressar bem a sua solidariedade (seu humanitarismo). A compaixão, a fraternidade e a solidariedade são atributos para o humanismo. Todos nós somos iguais. Trata-se da igualdade de vivência. A moral consiste em refrear os nossos desejos. Somos livres para ser e também para Ter. Os direitos nascem de um contrato entre pessoas iguais. Não se pode falar de direitos se não se respeita a igualdade. A justiça existe onde houver humanidade. Na mentalidade clássica o indivíduo estava para servir ao Estado. Com Hobbes, na mentalidade moderna, o indivíduo está para ser servido pelo Estado. Quer para o procedimento antigo ou moderno, a idéia de moral pode ser vista como o equilíbrio de convivências, como cura, ou cuidado para todos os grupos. Os grupos mais simples necessitam de maiores cuidados para preservar a espécie. A moral necessita ser reconstruída a partir da idéia de cuidado. A Cura é o sentido mais profundo da solidariedade. As criaturas humanas são dotadas de bom senso e aquelas que sabem usar o bom senso têm o bem presente e sabe evitar as idéias do mal.
Após refletir sobre o modelo de homem ocidental, aquele que é moldado no equilíbrio moral, na busca da excelência e no florescimento da felicidade, este que se prepara constantemente para a cidadania e que vive a solidariedade, busca-se um maior embasamento na ética dos bens (o pensamento grego), na ética empírica (a defesa das ciências), na ética formal (no modelo idealista) e na ética dos valores. Procurar-se-á abordar os diversos ensinamentos éticos e preparar um modelo básico e adequado à vida da pós-modernidade.
A moral e a ética têm fundamento no pensar filosófico. A raiz do erro da 'opinião dos mortais', portanto, está na admissão do não-ser ao lado do ser e na admissão da possibilidade da passagem de um ao outro e vice-versa (REALE, G. 1993. pp.112-113) Uma vez verificada a via do erro de Parmênides, é preciso completar o pensamento com a explicação dos fenômenos e da doxa (opinião). Parmênides comenta: "É necessário admitir a existência das aparências que em tudo indaga em todos os sentidos. A ordem do mundo como aparece plenamente te exponho para que nenhuma convicção dos mortais jamais te possa desviar. (...) eles estabeleceram dar nome a duas formas cuja unidade não é necessária: nisso eles erraram."(REALE G. 1993, p. 114). Parmênides não admite que o conhecimento seja possível sem a razão. Se todo o conhecimento está atrelado à racionalidade, é impossível estabelecer uma ética que seja dependente dos fenômenos. A racionalidade conduz o sujeito ético às boas ações do ser e que o conduzem ao dever ser.
CONCLUSÃO
A consciência moral de todas as pessoas que formam uma comunidade representa o senso moral. O sujeito moral é o resultado da vivência da moralidade, da felicidade, da reciprocidade e da solidariedade de uma comunidade. O sujeito moral transforma-se em sujeito ético na medida em que este cria os seus juízos éticos de valor. Os juízos éticos de valor são mais favoráveis nos agrupamentos humanos homogêneos. Os juízos de valor indicam que o bem gera a felicidade, ao passo que o mal produz a infelicidade. O bem e o mal são criados pelos sujeitos morais. Os sujeitos éticos moldam sua cultura de forma a facilitar a todos a tecnologia, os preceitos e os sentimentos. Na medida em que os sujeitos definem os valores, estes constroem sua consciência moral. Através do exercício dos desejos e da vontade, percebemos que os sujeitos cultivam ou deixam de cultivar a liberdade. Ser livre é uma questão de exercício da vontade. Ser escravo é definir-se pelos desejos. Para ser mais claro: o desejo representa apenas o exercício das almas vegetativa e sensitiva, ao passo que a vontade é o resultado do bom uso dos desejos, mas sob o controle da razão. O sujeito ético torna-se sujeito ativo e pratica a moral autônoma, ao passo que o sujeito moral, muitas vezes, levado por desejos de seu grupo, age de forma heterônoma. Através da vivência ética, os homens criam sua cultura, transformam a sociedade e podem ser movidos por fortes imperativos do dever ser, afastando-se do crime, da violência, dos vícios e dos males em geral. A vivência ética tem o seu dever ser nas virtudes.
A vida com equilíbrio moral garante aos homens funções importantes, tais como: bom comportamento, equilíbrio entre todos os indivíduos e igualdade social. O pluralismo ético é saudável, se os homens cultivarem a tolerância. A tolerância é a arte de viver com reciprocidade e solidariedade. A reciprocidade consiste na troca de favores. Os homens, naturalmente, tendem a realizar-se na medida em que se doam, amam-se e consomem os seus dias em favor dos outros homens. A solidariedade é um meio que os homens possuem para refrear os seus desejos, o seu egoísmo. Na medida em que o sujeito cuida de si mesmo, investindo em si para melhorar suas qualidades em favor dos outros, este está praticando a cura. A cura está no uso do bom senso: saber distinguir o bem e o mal e saber usar o bem e evitar o mal.
Unidade II.
A PLURALIDADE ÉTICA.
Atividades:
1) Ao estudar a finalidade da vida humana, descreva pelo menos dois motivos que possam possibilitar a felicidade.
2) Diferencie o prazer para os epicuristas e estóicos.
3) Para Sócrates, os métodos da Ironia e da Maiêutica conduzem os homens à prática do bem. Em que consiste a prática do bem, segundo o filósofo?
4) Justifique o por que da ligação constante entre a ética e a política, de acordo com Platão. Explore a idéia platônica de que a moral está no plano coletivo.
5) Faça um breve comentário sobre o dualismo platônico, ou seja, a existência da imortalidade da alma.
6) Cite pelo menos cinco tipos de virtudes. Justifique por quê Aristóteles afirma que estas são os verdadeiros meios para que o sujeito alcance a felicidade.
7) Aponte os tipos de prazeres ensinados por Epicuro e comente sobre suas possibilidades éticas.
8) Apresente um texto dissertativo sobre a ética empírica. Cite dois modelos de vida, segundo ela.
9) Comente em mais ou menos 5 linhas sobre a felicidade para Stuart Mill e J. Benthan.
10) Formule um bom exemplo que retrate a ética cética para os dias atuais.
11) Apresente definições para o imperativo categórico e o hipotético, segundo Kant. Descreva as diferenças existentes entre a autonomia e a universalidade
12. Descreva os significados dos termos autonomia e heteronomia. Cite pelo menos dois exemplos, segundo a filosofia de Kant.
13) Sobre a ética dos valores, aponte pelo menos cinco tipos de valores e comente sobre sua utilidade.
14) Apresente por escrito a escala de valores apontada por Scheler.
*** Somente para refletir: trace algumas diferenças ou semelhanças entre os conceitos de ética que foram apontados por Sócrates, Platão e Aristóteles.
A PLURALIDADE ÉTICA.
A ÉTICA DO BEM SUPREMO
A ética do bem supremo, também conhecida como ética dos bens, tem seu fundamento na Filosofia Grega. Entende-se por bem supremo a realização total do ser humano. O homem caminha para seu fim, para buscar sua felicidade. Na verdade, o supremo bem para os filósofos gregos está na felicidade. É uma forma absoluta de moral e de ética. Sem o princípio de finalidade do ser não se pode falar de moral e nem de ética. Ao exercitar o seu ser, utilizando-se de seu potencial racional, o homem tende a ser virtuoso e busca a sua felicidade. Esta forma de viver bem está condicionada à reta consciência, à honestidade intelectual.
Faz-se necessário diferenciar: "Para o idealismo, a finalidade última do homem é a prática do bem. O estóico, por exemplo, não aspira a ser feliz, mas a ser bom. A virtude é fim, não meio... Para o hedonismo, a felicidade está no prazer. ... o prazer sensual, seja a fruição da tranqüilidade extraída do deleite, no exercício da atividade intelectual ou artística" (NALINI, 1999. p. 48). O que está em voga é a felicidade, quer esta tenha como caminho a virtude ou o prazer. Acredita-se que os nossos leitores admitem que o homem necessita praticar as virtudes, mas o mesmo não é de ferro. Nele estão também as possibilidades ao prazer. Para melhores esclarecimentos destas questões, é necessário estudar a filosofia grega, de Sócrates ao Estoicismo.
A ética segundo Sócrates.
Antes de se apresentar a ética em Sócrates é preciso verificar que a alma humana é o verdadeiro objeto do conhecimento. A alma humana é portadora da verdade e é vivendo, experimentando, que os homens podem destruir seus próprios erros. Ao fazer a filosofia moral, o filósofo e moralista abre o diálogo aos homens para que estes atinjam o conhecimento. O verdadeiro conhecimento está em conhecer a si mesmo. Ao investir no saber, o homem torna-se virtuoso, atingindo a bondade, a verdade, a honestidade intelectual, a solidariedade e tantas outras virtudes. A falta de saber (a ignorância) faz aumentar nos homens a maldade. Para Sócrates, a verdadeira moral tem seu fundamento no saber, na virtude e na felicidade. No momento em que conhecemos o bem e o praticamos, tornamo-nos virtuosos. O exercício constante da bondade e de outras virtudes nos garante uma vida feliz. Para ser feliz e ser virtuoso é preciso que o indivíduo caminhe incessantemente para a sabedoria. Sendo assim, a tríade formada pelo saber, pela virtude e pela felicidade impulsiona o homem para o convívio social. Veremos que foi Sócrates o estimulador de Platão e de Aristóteles para que estes desenvolvessem o estudo da política. Não há como o homem se realizar, se este não se aprimorar na vida comunitária. A ética e a política não têm como existir separadas, pois "o homem perfeito não é unicamente o homem bom, mas o bom cidadão" (NALINI, 1999. p. 49). Para que o sujeito aja bem é necessário que ele conheça a verdade. A felicidade é o resultado do bem que fazemos, portanto somente é feliz o homem que pratica as virtudes. Para Sócrates, é fundamental que os homens cultivem a eupraxia que significa estar bem (ser feliz) porque pratica o bem e o eudemonismo que representa o chamado bem-estar moral. Em resumo, se revermos os métodos socráticos da Ironia e da Maiêutica, veremos que o supremo bem que buscamos está em conhecer a nós mesmos, projetar nossas vidas rumo à felicidade, praticar as virtudes e afastar-nos definitivamente da ignorância.
A ética segundo Platão
O fundamento da ética platônica transcende a realidade física onde vivemos e repousa na metafísica, na epistemologia, na política e no estudo das almas vegetativa, sensitiva e intelectiva. Platão fundamenta sua ética com base nas idéias que estão em outra dimensão, estas não estão no tempo e nem no espaço. Platão estuda o conhecimento a partir da reminiscência da idéia. Para uma boa compreensão, o leitor deve buscar o estudo platônico na teoria dos dois mundos. A alma humana é imortal e deverá retornar ao mundo das idéias se esta se libertar das impurezas materiais. As idéias para Platão são hierarquizadas. A maior delas é a idéia de bem. Para Platão, a alma tem diversas partes. "Cada uma das partes da alma tem função e virtude própria. Ã inteligência corresponde a sabedoria; à vontade, o valor; aos apetites, a temperança"(NALINI, 1999. p. 50). A ética e a política estão intimamente ligadas. Para Platão, a moral não está no plano individual, mas sim no coletivo. Os erros dos homens não são erros que pesarão somente sobre os responsáveis por estes erros, mas sim, estes incidirão sobre toda a sociedade. Cabe ao Estado cuidar dos homens e dar-lhes uma formação necessária. A formação necessária que estamos mencionando consiste em conduzir os homens ao conhecimento e à prática das virtudes. Se o Estado assim o fizer, os seus cidadãos tornar-se-ão homens felizes. Cabe ao Estado assumir a educação de todos. Ao longo da caminhada educativa, os homens serão educados conforme suas sensibilidades. No processo educativo destacar-se-ão os diversos segmentos sociais que são: as almas de bronze (os trabalhadores braçais, os artesãos, agricultores e outros); as almas de prata(os guerreiros, os seguranças); as almas de ouro(os magistrados e filósofos) Nesta teoria que se encontra no livro VII de A República apresentam e fica clara a concepção dualista de Platão (ARANHA e MARTINS, 1995. p.193). O dualismo está entre a alma que é supra-sensível e o corpo que é sensível. O corpo é o cárcere da alma. Se a alma está no corpo, esta está como morta. "O corpo é a raiz de todo mal, fonte de amores insensatos, de paixões, de inimizades, discórdias, ignorância e loucura"( REALE e ANTISERI, 1990. V. I, p. 154). A ética platônica está fundamentada na metafísica, exatamente na distinção entre o corpo que é o prisioneiro da alma e da alma que é a libertação do homem.
A ética em Aristóteles
Aristóteles fundamenta sua ética na busca do bem absoluto. O bem absoluto é a felicidade. O homem será feliz na medida em que o seu ser, ao exercitar-se, pratique sempre as virtudes. Todas as ações humanas necessitam de fundamentos em atos virtuosos. Torna-se virtuoso o sujeito que atualiza as suas faculdades: a razão e a sensibilidade. Para Aristóteles o homem pode ser um ser de desejos e de vontade. Se o homem for conduzido por instintos e emoções, sua vida estará se afastando das virtudes. "A virtude se obtém mediante o exercício: é um hábito. As aptidões, intelectuais ou físicas, são inatas"( NALINI, 1999. p. 51). As ações humanas tendem para alguns fins que são bens. O fim último da pessoa humana é o bem supremo, a felicidade. Aristóteles analisa as diversas esferas da felicidade. Para alguns, ela pode ser: 1. o prazer que nada mais é que a satisfação das almas sensitiva e vegetativa; 2.a honra que representa o sucesso para os homens modernos; 3. As riquezas que são meios que podem perturbar a alma intelectiva. O bem supremo está no uso constante da razão e no aperfeiçoamento das virtudes todos os dias de nossa vida (REALE e ANTISERI, 1990.V. I. pp. 203-204). Para Aristóteles, a alma intelectiva é a parte dominante da alma. Sendo assim, os maiores valores humanos estão na alma. Os valores materiais, que estão na natureza, ao mesmo tempo em que nos servem, podem também comprometer nossa vida. A verdadeira felicidade está na busca de duas verdades supremas: a sabedoria e a sapiência. A sabedoria está nos homens que dirigem bem sua vida e deliberam de modo correto acerca do que é bem ou mal. A sapiência consiste em contemplar as realidades que estão acima, a transcendência. Aristóteles demonstra que necessitamos da vida contemplativa, pois sentimos necessidades da "Mente Suprema, Pensamento de Pensamentos", certamente Deus (REALE e ANTISERI, 1990.V. I. p. 207).
A ética em Epicuro
A ética epicurista também tem seu fundamento na felicidade. A felicidade é o bem último de nossa existência e consiste no prazer. Epicuro nos adverte que o verdadeiro prazer não está na sensualidade, na luxúria, no deleite corporal. O verdadeiro prazer está nos gozos do espírito. O homem é proveniente da matéria, portanto sua felicidade deve estar na materialidade das coisas. O prazer consiste no movimento suave, no hedonismo, ou seja, no uso correto da matéria, enquanto que a dor está no movimento violento. Para Epicuro, "Os gozos ou sofrimentos do corpo, que são circunscritos no tempo, contam as ressonâncias interiores e os movimentos da psique, que os acompanham e duram bem mais. (...) portanto, o verdadeiro prazer vem a ser a 'ausência de dor no corpo'(aponia) e a 'falta de perturbação da alma'(ataraxia)"( REALE e ANTISERI, 1990.V. I. pp. 246-247). Cabe ao homem criar para si as regras da vida moral. Estas regras não garantem o prazer como tal, mas apontam a sabedoria que escolhe os prazeres que não comportam em si dor e perturbação. Para Epicuro, os prazeres podem ser: a) os naturais e necessários (como a fome, a sede, o repouso, etc. Exclui o prazer do amor); b) os naturais mas não necessários (como a gula, a ambição, o luxo e outros); c) os não naturais e não necessários (como a honra, a glória, o poder, a vaidade e outros) (REALE e ANTISERI, 1990. V. I., p. 247; NALINI, 1999. p. 51). A ética epicurista é individualista. Cabe ao homem procurar seu próprio bem. A justiça surgiu para por fim à beligerância humana. Sendo assim, cabe ao Estado garantir o contrato social e punir os infratores.
A ética no estoicismo.
Os estóicos afirmam que a ética está fundamentada na virtude. Viver bem não é gozar os prazeres do corpo, mas sim conceber os ditames da razão. O homem pode cair na sua própria fragilidade, naquilo que exterioriza os seus afetos. Para alcançar o supremo bem e ser feliz é necessário que o homem de afaste de todas as afeições. Os vínculos afetivos escravizam o homem. Vagarosamente o sujeito se afasta das coisas do mundo exterior e atinge a apatia. A apatia consiste em libertar-se das afeições, é ordenar bem a alma para que esta seja a direção do sujeito. Os prazeres devem ser evitados a qualquer preço e as virtudes devem conduzir o homem. As virtudes são apresentadas em forma autárquica. A autarquia das virtudes representa para o sábio a defesa de suas angústias e a força propulsora de seu ser rumo à felicidade. Segundo Zenon de Cítio (333-262 a.C.), "o bem moral é aquilo que incrementa o logos (razão) e o mal é aquilo que lhe causa dano. O verdadeiro bem, para o homem, é somente a virtude; o verdadeiro mal é só o vício" (REALE e ANTISERI, 1990. V. I., p. 262). As ações humanas que passam pelo equilíbrio da razão são chamadas de ações moralmente perfeitas, ao passo que aquelas que fogem da razão são as ações imperfeitas ou viciosas, imorais. Segundo os estóicos, o homem ama a si, ama os seus filhos, ama os seus antepassados, porque na natureza humana está o impulso desta união para que ele se junte aos outros e lhes seja útil.
A ÉTICA EXPERIMENTAL.
É a ética que tem seu fundamento na experiência, que surge da observação dos fatos. O comportamento humano traz em si os princípios que disciplinam o próprio comportamento. É vivendo que o sujeito traça o seu próprio comportamento. Este não está preso à normas pré estabelecidas. O que se busca, neste conceito ético, é o subjetivismo. As idéias morais dependem dos indivíduos ou da sociedade onde estes vivem. Estas são as teorias que encontramos na fenomenologia de Husserl. O que é bom para uns pode ser mal para outros. O bem e o mal dependem de convenções sociais. Nada é absolutamente bom, então o que deve buscar é uma conduta mais benéfica ao indivíduo ou à sociedade. O preceito moral supremo deve estar no útil. Para melhor compreensão da ética experimental, serão examinadas a seguir as filosofias anarquista, utilitarista, ceticista e subjetivista.
A ética segundo os anarquistas.
Para o verdadeiro anarquista, as normas e os valores devem ser abolidos. Tudo o que é previamente definido como o Direito, a moral, as regras sociais, a religião e toda forma de organização social, tudo é fruto da arbitrariedade, do medo, da ignorância, da arrogância. Para os anarquistas, prevalece a vontade humana. Esta filosofia é hedonista. Sua base fundamental é "buscar o prazer e evitar a dor é a sua lei suprema" (NALINI, 1999. p. 40; ARANHA E MARTINS, 1995. p.247). O movimento anarquista moderno desdobra-se em anarquismo individualista e anarquismo comunista ou libertário. Para eles, os homens têm suas vidas baseadas em dois pontos fundamentais: a) o indivíduo busca a liberdade absoluta; b) toda a organização política e social deve ser destruída, pois esta prejudica a natureza. Toda e qualquer forma institucional coercível, esta se opõe à liberdade humana e por isso deve ser combatida. A propriedade privada é um problema para os comunistas, pois para estes, a propriedade deve desaparecer. Já os individualistas não pretendem que a propriedade desapareça, mas não querem a existência do Estado para garantir a propriedade.
Podem ser encontradas algumas contradições na filosofia anarquista. Para ela, existe uma liberdade natural, e esta entende que a liberdade possa existir sem a vida em coletividade. Os anarquistas querem que as leis, as normas, sejam abolidas e com isso conferem direitos a si mesmos. É impossível conceber o direito sem que haja um sistema normativo e com força capaz de garanti-lo.
A ética para os utilitaristas.
Para os utilitaristas, bom é tudo aquilo que é útil. A ética se fundamenta na utilidade. O dinheiro é útil porque custeia as despesas humanas de um grupo; o carro é útil porque facilita os viajantes em suas viagens. Ambos podem ser usados para o mal. Dependem dos fins, aos quais estes objetos foram usados como meios. Pode-se argumentar que bom é tudo aquilo que é útil, se a utilidade atingida veio de meios autênticos, adequados, eficazes, e não caíram no fracasso.
Observando os ensinamentos de John Stuart Mill, este reveste sua ética, tendo em vista os fins a que se pretende chegar. Para Stuart Mill, a felicidade é desejável por todos os homens; é a única coisa que todos nós desejamos, incansavelmente. "A felicidade é o único fim da ação humana e sua consecução o critério para julgar de toda conduta; donde necessariamente se segue que tem que ser o critério da moralidade, já que a parte encontra-se incluída no todo" (MILL, 1936. p. 32; NALINI, 1999. p. 42). Para Mill, a verdadeira ética é aquela que busca a maior felicidade possível, para o maior número de pessoas, no maior tempo possível. O que se quer no utilitarismo é obter o supremo bem que é a felicidade total das pessoas. Os fins moralmente valiosos são aqueles que os homens prudentes conseguem através de meios aptos e honestos. Para o filósofo Jeremy Benthan, o princípio da utilidade é aquele que aprova ou desaprova a ação que aumenta ou diminui a felicidade. Esta ação tanto vale para o indivíduo particular ou para qualquer ação de governo. Ético é o ato individual ou público que é útil, que dá prazer e evita a dor (PELUSO, 1998. p. 18) A ética benthaniana afirma que nossa vida está fundamentada sob o domínio de dois senhores: o prazer e a dor. O prazer e a dor são condicionantes em nossas vidas e se baseiam nas nossas experiências, de tal forma que devemos lutar pela revogação e aperfeiçoamento das leis até às últimas conseqüências (PELUSO, 1998. p. 19; BENTHAN, 1979. p. 1; SAENZ,.1985. p. 22). Os utilitaristas lutam pelo supremo bem, ou seja, a felicidade das pessoas. A vida humana é moralmente boa se o sujeito empregar meios aptos para conseguir aquilo que tem fins moralmente valiosos. Os utilitaristas dizem que não devemos fazer da utilidade um utilitarismo. Esta prática induzirá o sujeito a fazer com que os meios se tornem fins.
A ética e os cépticos.
O verdadeiro céptico é aquele que duvida de tudo. Duvida de sua existência, do poder de sua racionalidade. A dúvida do céptico está além do conhecimento, está na suspensão do poder de julgar. Tome por base que primeiro conhecemos para depois julgarmos. Ao analisar a filosofia socrática, em "conhece-te a ti mesmo" e "só sei que nada sei", existe ali a expressão do conhecimento e também o julgamento daquilo que se conhece. Se o sujeito busca a dúvida no seu verdadeiro sentido dir-se-á: a dúvida é uma atitude mental, em que o indivíduo, diante de duas ou mais alternativas não escolhe nenhuma, com medo de errar. A dúvida pode ser metódica ou sistemática. No momento em que o sujeito duvida, pelo medo de errar, termina por suspender o juízo. Se aquele que duvida, suspende o julgamento temporário, em busca da certeza, então este não é céptico, mas sim fundamentalista ou dogmático. Esta parada temporária é a chamada saída para a certeza. A dúvida física é a que todo sujeito, portador da possibilidade do conhecimento, tem ao esperado do objeto que está sendo observado sistematicamente. Mais cruel é a dúvida metafísica. Esta é a "verdadeira dúvida, a dúvida metafísica, não é criação consciente do sujeito, senão angústia ou perplexidade que este sofre, doloroso estado cuja desaparição anela" (MÁYNEZ, 1970. p. 83). De forma física ou metafísica, o homem que sabe analisar cuidadosamente os seus pensamentos, este não duvida porque pensa e sabe Pensar. Os cépticos são sistemáticos e automaticamente duvidam de tudo. Duvidam da própria dúvida.
Se o céptico duvida de tudo, este não pode definir o que é certo ou o que é errado. Não há como tomar uma atitude. O homem ao duvidar de tudo fica sem atitude. A sua ética está fundamentada em não tomar nenhuma atitude. Ora veja, a ação de não tomar nenhuma atitude já é uma atitude. Pelo fato de o sujeito não tomar nenhuma atitude, já está agindo. Mesmo agindo desta forma, os cépticos clássicos não pregavam o ceticismo absoluto. Para eles havia alguma moral. O filósofo Sexto Empírico afirmava sobre a existência de algumas regras para que o homem alcance a felicidade. Para ele, o homem deverá, sempre, estar atento às indicações da natureza; ceder aos impulsos das necessidades físicas (comer, beber, dormir, etc., se tem necessidades); obedecer às leis e costumes do país e da sociedade; praticar as artes e afastar-se da inação. Parece que Sexto Empírico não era um céptico. O filósofo céptico somente aceita estas questões por alguns motivos: 1.respeita-se a natureza porque nela estão os valores; 2. as necessidades humanas necessitam ser satisfeitas de forma moderadas; 3. acatar as leis e os costumes é uma forma para se garantir socialmente; 4. na verdade, pelo fato de o homem realizar alguma atividade, a sua vida é mais sentida, é mais confortável.
A ética subjetivista
Todos aqueles que fazem ciência tornam-se subjetivistas. Ao pesquisar, o pesquisador encontra valores e toma decisões a partir destes valores. As atitudes dependem do pesquisador. Este pode ser individualista ou social.
É necessário questionar o que é o subjetivismo? Em Protágoras, "O homem é a medida de todas as coisas; da existência das que existem e da não existência das que não existem". Se o homem deposita o entendimento neste ensinamento de Protágoras, cairá no relativismo. Será verdade para mim o que eu achar que é verdadeiro. Aquilo que é verdade para uma pessoa pode ser falsidade para outra. Sendo assim, não existe nada certo. O que é evidente para um indivíduo, parece falso para outro. Em todo homem estão as medidas do bem e as medidas do mal.
O subjetivismo individualista aplica-se ao indivíduo de forma epistemológica, moral, estética, religiosa e jurídica. As decisões cabem ao sujeito. O subjetivismo social depende da apreciação ética coletiva, pretende ser uma teoria objetiva. Para estes pensadores, a sociedade não se reduz apenas às decisões individuais. Se as decisões forem tomadas por toda uma sociedade é porque os que integram esta sociedade possuem as mesmas necessidades. As necessidades sociais determinam a objetividade e nesta objetividade está o critério de utilidade necessário. Os conceitos de bom, de belo, de justo, de verdadeiro, que forem aceitos individualmente também serão contemplados socialmente. Diante do subjetivismo ético social ficará difícil aceitar as seguintes afirmações: 1. o erro social pode ser aceito; 2. existem verdades conhecidas apenas por um indivíduo. As afirmações que são vistas individual ou coletivamente, representam aberrações éticas e são inconcebíveis.
Para concluir sobre o subjetivismo ético individual ou objetivo, é necessário observar que o ato de tomar a verdade como algo subjetivo, seria afirmar que todas as coisas existentes tornar-se-iam subjetivadas e haveria a negação que estas coisas tenham validade em si, existam por si e em si (NALINI, 1999. p. 46).
A ÉTICA DO FORO ÍNTIMO DA PESSOA
Conforme se verificou anteriormente, a ética empírica somente pode ser constada após a experiência. O homem formula seu comportamento após os resultados vividos. Na ética do bem absoluto, o procedimento individual leva em conta o fim último do homem que é a felicidade. Para este novo modelo ético, a ética do foro íntimo, ou ética formal (ética do imperativo categórico), o resultado da significação moral para o comportamento reside na definição da vontade, nos propósitos firmes que são fundamentados no íntimo da pessoa. É na vontade humana que se mede a bondade do agir. A vontade é boa em si mesma, se o sujeito age equilibrando-se pela racionalidade. Os atos dos sujeitos serão moralmente valiosos se forem de acordo com as normas e se são expressos para o cumprimento do dever. Ajo moralmente bem porque é uma exigência de meu foro íntimo. O interior do sujeito dita a ele o que é certo e o que é errado. Se o sujeito agir por causa da norma, este é mero legalista e faltará com o valor ético da ação esperada. Kant afirma que a lei moral está fundamentada nos princípios racionais apriorísticos do sujeito. O sujeito deve agir a partir do Imperativo Categórico. O imperativo afirma: "age sempre de tal modo que a máxima de tua ação possa ser elevada, por sua vontade, à categoria de lei de universal observância"(KANT, 1974. p. 67). O homem de boa vontade compreenderá que sua ação deve ser exemplar, de tal forma a ser imitada por todos.
Analisando um pouco mais o imperativo de Kant, podem ser observados dois princípios fundamentais: a) o destaque da autonomia. O sujeito agente de boa vontade age por si e para si e se abre para as coisas do eu, do outro e do mundo, com todas as suas forças e honestidade intelectual; b) o destaque da universalidade. O que vale para um homem, vale para toda humanidade. Tanto a autonomia como a universalidade, estas se prendem a uma norma, a um princípio válido e que o sujeito criou para si mesmo. Somente age corretamente o sujeito que utiliza sua vontade e jamais se vale da vontade alheia. O que é válido para mim, deve ser válido para todo sujeito racional, caso contrário, o ato carece de valor ético. A lei moral deve estar fundada na racionalidade. O seu fundamento certamente encontrará seu objetivo na dignidade pessoal. Entende-se por dignidade pessoal a ação humana livre e guiada pela vontade.
Na ética kantiana destaca-se a máxima da lei moral. Para Kant, a máxima é algo subjetivo, depende do sujeito e está na sua ação. O sujeito toma as decisões segundo sua vontade. A lei é algo objetivo e se transforma no princípio universalmente válido. O princípio categórico, "o tu deves", reclama que o sujeito eleve esta máxima ao princípio de lei de universal observância, isto é, o que é válido para mim, também é válido para todos os homens. Na máxima está a universalidade e o valor, ambos equivalem à pessoa humana. A soma da universalidade e do valor somente pode ser atribuída à pessoa humana que é o valor absoluto. Somente pode ser cobrado o comportamento moral do homem que é livre. "A liberdade é a característica própria daquela vontade que pode ser determinada pela pura forma da lei, sem necessidade do conteúdo.... Essa liberdade, que não explica nada no mundo dos fenômenos e que, na dialética da razão pura, dá lugar a uma antinomia insuperável" (REALE e ANTISERI, 1990. V. II. p. 914).
No mundo, as coisas valem pelo que são. As pessoas são portadoras de dignidade e não possuem preço como as coisas. Esta diferença está expressa no imperativo prático de Kant: "Age de tal modo que uses a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como fim ao mesmo tempo e nunca somente como um meio"( KANT, 1974. p. 78; NALINI, 1999. p. 56). Com esta máxima prática, abre-se a discussão para a autonomia e a heteronomia. A autonomia consiste na ação voluntária do sujeito. O valor moral da ação está fundamentado na vontade livre. A heteronomia é desprovida de um valor moral e se fundamenta na vontade alheia. O homem autônomo obedece apenas as normas que ele mesmo se auto impôs. No momento em que o homem renega obedecer as leis de seu interior e respeita as normas vindas do exterior, este perde a capacidade de autodeterminação, abandona os atributos da boa personalidade e deixa de ser ético. Ético é o agente autônomo, auto determinado, por forte personalidade, e portador de leis justas em seu interior, ou seja, de uma vontade forte e bem construída. No momento em que o sujeito autônomo cria para si a lei moral, com base na doutrina das virtudes, este impõe para si o domínio de si mesmo e constrói a veracidade. Ao fazer isto, o sujeito fundamenta a moral de forma transcendental. O sujeito autônomo, ao regulamentar a sua existência, sob a prática da doutrina das virtudes, constrói uma moral transcendental concebendo para si o verdadeiro fundamento da dignidade humana. O que é válido para este sujeito moral, também é válido para todos os homens (NALINI, 1999. p. 57; KANT, 1974. pp. 56-58).
A ÉTICA E A FUNDAMENTAÇÃO DOS VALORES.
Diferente da ética kantiana, a ética dos valores não busca o valor no dever ser mas no ser. Tudo o que existe tem valor. Logo, no dever também se encontra um valor. As ações humanas têm sentido porque se fundamentam em um valor. O sujeito valorizará as coisas que apresentam valor para ele e renegará aquelas destituídas de valor. O valor pode ser visto de forma epistemológica e também ontológica. Epistemologicamente, as coisas valem mais ou menos dependendo do conhecimento. A consciência cria os valores conforme sua conveniência. Ontologicamente, o sujeito não cria os valores, mas sim procura extraí-los das coisas. O valor já existe nas coisas e não na imaginação do sujeito.
No tratado dos valores, podem ser observados o valor real e o valor ideal. Para a filosofia, o ser real corresponde a tudo aquilo que ocupa lugar no tempo e no espaço. Sendo assim, o ser real é objeto do conhecimento sensível. Podem ser atribuídas como conhecimento sensível todas as decisões concebidas por um sujeito humano: os atos da vontade, as sensações, os juízos de valores, a responsabilidade, a consciência de seus atos bons e atos culposos e tantas outras atitudes da consciência. O ser ideal é aquele intuído, criado pela racionalidade, experimentado pela sensibilidade, aquele que transcende o ser real. Ideal é o ser que está no plano da idealidade objetiva e não só como algo subjetivo. Para melhor compreensão desta questão, em seguida iremos apresentar os valores dentro de uma hierarquia e provavelmente haverá maior esclarecimento do que seja ser real e ser ideal. Para facilitar a compreensão, apresentaremos a escala de valores de Max Scheler: "Um valor é tanto mais alto: a) quanto mais duradouro é; b) quanto menos participa da extensão e da divisibilidade; c) quanto mais profunda é a satisfação ligada à intuição do mesmo; d) quanto menos fundamentado se acha por outros valores; e) quanto menos relativa seja sua percepção sentimental à posição de seu depositário" (NALINI, 1999. p. 59). É na duração do valor que está a sua permanência. As coisas valem mais se não podem ser divididas e possuem consistência em si mesmas. Se o objeto tem valor em si mesmo, logicamente vale mais. Se não tem valor em si mesmo, o valor deve ser buscado em outro. Se o valor for apreciado por um número maior de indivíduos, é sinal de que possui um alto valor. O valor é algo que garante a satisfação ao sujeito. A satisfação indica o prazer. Quanto mais agrada e satisfaz o objeto, maior será o seu vínculo de agradabilidade. Os valores podem ser vistos como relativos e como absolutos. Relativos são os valores temporários. Exemplo: os valores materiais, os científicos, os artísticos etc. Absolutos são os valores perenes. Exemplo: os valores morais, a espiritualidade e outros.
Tomando a escala de valores apresentada por Max Scheler, podem ser apreciados, segundo ele, os seguintes valores: a) os agradáveis que se relacionam com a vida e são experimentados por viventes. Estes são chamados de valores relativos. b) os puros que são considerados valores absolutos e constituem os valores morais. Para Scheler, a hierarquia dos valores pode ser vista da seguinte forma: "valores úteis (adequado, inadequado, conveniente, inconveniente); valores vitais (forte, fraco); valores lógicos (verdade, falsidade); valores estéticos (belo, feio, sublime, ridículo); valores religiosos (santo, profano); valores éticos (justo, injusto, misericordioso, desapiedado)"(NADER, 2004. p. 51; NALINI, 1999. p. 59). Certamente, esta escala de valores para Scheler obedece a preferência do sujeito, de acordo com suas definições para os valores absolutos ou relativos. Para um religioso, o maior valor será o religioso; para um utilitarista, a tendência será o valor útil e assim por diante. Os valores chegam para nossos espíritos como um leque de variadas opções. Ordenamos os valores de acordo com nossa ordem de preferência. É vivendo que o homem valora as coisas. De acordo com os seus planos ele cria os meios que garantem sua existência e procura afastar-se do mal e aproximar-se do bem. Ao buscar o valor, o homem encontra o permanente, o positivamente valioso e que atende às reais necessidades do ser racional. Ao buscar o desenvolvimento, a moral analisa os fatos novos e adota outros valores que sejam adequados à realidade alcançada. O comportamento ético somente será possível se houver a liberdade como algo permanente e indissociável do ser racional. Os valores são indissociáveis do Direito Natural e não resistirão às controvérsias humanas, se no ambiente onde estes se apresentam não houver o cultivo dos princípios fundamentais do Direito: a igualdade, a legitimidade, a liberdade, o bem e a verdade.
O conhecimento dos valores constitui a largueza do sentido do valor. É tarefa dos dirigentes sociais desenvolverem a sensibilidade e entendimento de seus dirigidos para que estes conheçam o que é relevante eticamente. Quando estudamos as possibilidades em aguçar a sensibilidade e a racionalidade, este é o momento de despertar nos participantes a aproximação destes para a objetividade dos valores. Os valores surgem no momento em que a consciência estimativa do sujeito testemunha a existência destes valores. Ao estimar o que é valoroso, o juízo moral apresenta ao sujeito os chamados "sentimentos de responsabilidade e a consciência de culpa" (NALINI, 1999. p. 6). Os valores situam-se na esfera ética real. Eles existem em mim porque eu os criei em mim, utilizando as potencialidades de minha intuição, meus sentidos e racionalidade. O homem é o administrador dos valores que estão em si. A realização dos valores no sujeito exige que ele desenvolva o dever para seus atos. Já estudamos em Kant que o valor ético depende da construção da vontade. A vontade é guiada pela razão. É fundada no imperativo categórico do "tu deves". Para Max Scheler e Nicolai Hartmann, o pensamento de Kant aparece invertido. Para eles, o dever exige que existam os valores. Os valores não se fundamentam no dever, mas é o dever que tem origem nos valores. Especificamente, Hartmann apresenta o dever ser através dos seguintes princípios: o homem está em busca de um valor e firma o ideal para seu viver (dever ser) neste valor real. A busca do que é valioso atualiza no homem o dever ser. O chamado dever ser representa a honestidade intelectual e afasta do homem valores (ou anti-valores) que não devem ser realizados. O dever é um fim. Na busca deste fim, o agente exercita o seu ser e movimenta sua intuição e vontade.
Não é tão simples experimentar o dever como um fim. Esta tarefa exige três momentos decisivos para o sujeito, afirma Hartmann: a) o sujeito se projeta para o futuro em busca de realização; b) ao buscar os fins, a consciência humana elege os meios necessários conforme sua decisão valorativa; c) o fim atingido é o efeito. Os meios são as causas. A junção dos meios com o fim resulta na realização individual. Os momentos decisivos de que Hartmann nos adverte somente serão possíveis se houver liberdade moral. A verdadeira liberdade moral somente será possível se a decisão individual puder contar com a existência de leis. Havendo a liberdade moral, haverá o crescimento da ética.
Unidade III
A ÉTICA COM RESPONSABILIDADE E SOLIDARIEDADE
Atividades.
1) Procure explicar o decálogo nestes termos apontados: Jesus institui uma nova moral social e uma ética individual: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, com toda a tua alma e com toda a força e ao próximo como a ti mesmo".
2) Explique estas duas sentenças, informando como elas podem nos ajudar a sermos éticos: 1. O resumo das leis de natureza, segundo Thomas Hobbes: "Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti"( HOBBES, 1983. p.. 93). 2. A regra de ouro: "Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas"( Mateus, 7, 12).
3) Procure diferenciar bem a felicidade material da felicidade espiritual, em Santo Agostinho.
4) Explique esta afirmação: A ética de Agostinho pode ser observada na diferença entre a Cidade Terrena e a Cidade de Deus.
5) Que relação podemos fazer entre o livre arbítrio e o ser ético?
6) Fazer uso da vontade, para Tomás de Aquino, significa...
7) Escreva uma mensagem sobre as duas parábolas: a) O filho perdido e o filho fiel: o filho pródigo; b) o rico mau e o pobre lázaro. Reflita a respeito do sentido e do conteúdo implícito nessas parábolas.
8) Leia e comente de acordo com seu entendimento: Entre o certo e o errado não existe meio termo: crença ou recompensa?
9) Anote os sete pilares da ética que foram apontados por João Paulo II.
10) Defina os termos autonomia e a autenticidade.
11) Comente esta frase de Kant: "O verdadeiro prazer não é passageiro, corriqueiro ou repentino. Ele está no verdadeiro exercício do ser, no cumprimento do dever ser."
12) Em que a ética e a religião podem colaborar com a espécie humana, de sua origem à sua evolução, passando por estes atributos: multidão, população: massa atomizada, massa, povo, sociedade, cidadãos solidários, sábios?
Unidade III
A ÉTICA COM RESPONSABILIDADE E SOLIDARIEDADE
A ÉTICA E A RELIGIÃO PODEM SER VISTAS NA ÉTICA CRISTÃ.
A civilização ocidental é conhecida como civilização cristã. A sociedade ocidental moderna vive uma forte crise de valores por ter abandonado os valores cristãos. Os principais valores cristãos estão na Bíblia. A Bíblia é um livro que tem uma grande intenção moralizante. Nos textos sagrados o elemento religioso é ao mesmo tempo o elemento moral. Deus é o ideal para o homem real. O "Façamos o homem a nossa imagem e semelhança" representa que o homem tem uma dignidade própria espelhada nos atributos divinos. As histórias bíblicas mostram diversas ordens de castigo: Adão e Eva foram expulsos do Paraíso; o homem é herdeiro do pecado original; porque o homem se escondeu de Deus, teria que trabalhar duramente, ao passo que a mulher daria a luz com dor. Os castigos da torre de Babel e a inundação do dilúvio são sinais de Deus aos homens. Além da vida terrena, Deus promete ao homem a salvação, uma eternidade feliz. Existe a esperança, Deus oferece a aliança ao homem. O homem é chamado a ser santo. Deus oferece sua redenção a todos os homens. No Antigo Testamento, Moisés apresenta o Decálogo que além de ser um conjunto de deveres religiosos e jurídicos é também um conjunto de deveres morais. O aparecimento de Jesus, como figura central do Novo Testamento, não representa o rompimento da moral das velhas escrituras, mas sim a prática sintética dos mandamentos do Decálogo. Jesus institui uma nova moral social e uma ética individual: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, com toda a tua alma e com toda a força e ao próximo como a ti mesmo" (Levítico, 19,18). Este preceito de Cristo é atual. Se nós os homens o respeitássemos não necessitaria de outro preceito legal ou ético. O amor ordenado por Jesus é dirigido tanto aos amigos como aos inimigos. O amor cristão é fundamentado no Direito Natural. Podem ser observados o Direito Natural e o dever cristão nestas duas sentenças maravilhosas: 1. O resumo das leis de natureza, segundo Thomas Hobbes: "Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti"( HOBBES, 1983. p.. 93). 2. A regra de ouro: "Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas" (Mateus, 7, 12). Se estas duas regras fossem aplicadas conforme manda o bom senso, todos nós cuidaríamos de satisfazer as carências alheias.
O Novo Testamento demonstra que o homem será justificado pela fé. Conforme descreve São Paulo, na Epístola aos Coríntios. Ele exorta o homem para que pratique as virtudes. Não somente as virtudes filosóficas da justiça, temperança, coragem, sapiência, humildade, mas sim que aumentem no homem as virtudes da fé, da esperança e da caridade. Estas virtudes aproximam cada vez mais o homem de Deus. Tendo fé, esperança e caridade, surgirá o amor que substitui a moral. O homem que ama, que é misericordioso e piedoso, não precisa de moral. A caridade é a maior das virtudes para São Paulo. É maior que o dom das línguas, maior que o dom das profecias, maior que toda ciência. A caridade é fundamentada no amor. O amor, em relação à moral, ao dever e à lei, é superior (I Cor. 13, 1-13; NALINI, 1999. p. 66).
A filosofia cristã, com Santo Agostinho, demonstra que o homem está em busca da felicidade e corre à sua procura. Trata-se da felicidade material. Esta não satisfaz o homem, afirma Agostinho. O homem somente será feliz se for à procura de Deus. A bondade e a maldade do homem dependem da escolha do objeto que o homem ama. No instante em que vivo, devo exercitar bem meu amor e minha vontade. Ao caminhar para Deus, afirma Agostinho, o homem subirá diversos degraus: a) a fé em Deus estimula a inteligência humana. Podemos ler em Isaías: "Se não o crerdes, não vos mantereis firmes" ( Is. 7, 9; REALE e ANTISERI. V. I. p. 436). A fé nos leva à sapiência e dá ao homem autoridade. b) a virtude da justiça oferece ao homem as condições para saber, fazer ciência, ser prudente, ser corajoso e puro de coração. c) A sabedoria abre os caminhos humanos para a tudo o que existe, em busca da contemplação e do entendimento. d) o amor doação corresponde à temperança. e) A fortaleza representa a tolerância total àquele que ama.
A ética de Agostinho pode ser observada na diferença entre a Cidade Terrena e a Cidade de Deus. Na Cidade Terrena, os homens desejam dominar, querem o gozo de bens materiais, ao passo que na Cidade de Deus, a realização humana consiste em fazer a paz através do amor a Deus. A ética é o resultado positivo da luta entre as duas cidades. Não importa onde o sujeito esteja, o que importa é a sua vivência moral, a sua pureza de propósitos.
Caminhando um pouco mais na filosofia cristã, encontramos Santo Tomás de Aquino que faz a religião cristã avançar um pouco mais. Para Tomás de Aquino, o homem aumenta a sua fé em Deus, na medida em que compreende as coisas do mundo. Ao contrário de Agostinho que afirmava que a compreensão é fruto da crença em Deus. Para Tomás de Aquino, o homem é bom ou mau na medida em que é regido ou não por sua razão. Para ele, o homem tende sempre ao bem. É fato simples: se o homem tende ao bem que é um fim, basta que ele faça uso de seu livre arbítrio e alcance os bens necessários. Se assim o fizer, atingirá a liberdade. O comportamento ético está exatamente no uso da vontade e na escolha dos meios, caso contrário, não haverá liberdade. Para Santo Tomás, existe a verdade moral. "A razão humana que é nossa participação na razão eterna, nos fornece os princípios fundamentais tanto no domínio teórico como no domínio da ação. (...) é preciso procurar o bem e evitar o mal" (NALINI, 1999. p. 68-69). Frente à imposição do Direito Positivo sobre as regras cristãs, adverte Tomás de Aquino, que o homem moral deve ficar com as regras cristãs. A lei natural é superior a lei positiva. A religião deve nortear a moral. Percebe-se este imperativo através das seguintes características: a) Deus é o legislador. A lei divina precisa ser respeitada e interpretada corretamente. b) Deus é o justo juiz. Ele controla tudo e ordena que o homem renuncie à felicidade terrestre, tendo em vista a obediência à Lei de Deus. c) Deus é modelo: é amor, luz eterna, onisciência, razão. A verdade divina não permite que haja tolerância e nem pluralismo.
Para ilustrar melhor a ética cristã, serão analisadas a seguir duas parábolas do Evangelho de Lucas: a) O filho perdido e o filho fiel: o filho pródigo; b) o rico mau e o pobre lázaro. Vamos às análises:
a)O filho Pródigo, segundo a narrativa de Lucas, 15, 11-32, demonstra as fraquezas humanas e as virtudes cristãs. No momento em que o filho mais jovem pede ao pai para que ele lhe dê a parte da herança que lhe pertencia, este se tornava um desgarrado da família. Ao viajar para os lugares desconhecidos, encontrou-se com falsos amigos e ali consumiu os seus bens com os prazeres mundanos. Aquele jovem passava por cima de ensinamentos sólidos que havia recebido de seus pais e pessoas experientes. No momento em que sua fortuna terminou, os falsos amigos o abandonaram e a miséria abateu sobre ele. Teve necessidade de trabalhar para não passar fome. O único emprego que conseguiu foi cuidar de porcos e ali, para não morrer de fome, alimentava-se com a lavagem dos porcos. Um pouco de sentimento e de entendimento ainda restou em seu coração e este tem a coragem de voltar atrás e procurar seu Pai. Ainda resta neste jovem a virtude da humildade e ele pede perdão. O Pai Bondoso o recebe e festeja com todos os familiares e amigos. O irmão mais velho não queria perdoá-lo e inclusive achava que seu pai cometia injustiça em recebê-lo de volta no seio da família. Este irmão mais velho representa os que não sabem usar da misericórdia. O filho pródigo é a imagem e semelhança do sujeito itinerante: aquele que busca o prazer imediato, prejudicando a si, aos outros e às coisas do mundo, mas que ainda possui um pouquinho de decência e se arrepende dos males que cometeu. Corrige-se e retorna para o convívio social harmonioso. A ética cristã está nos gestos bons: o pai que confere a parte da herança a seu filho; o filho que se reconhece errado e retorna ao lar paterno e pede perdão; o pai bondoso que perdoa e recebe seu filho como legítimo herdeiro de seus bens, apesar de já ter conferido a ele a parte dos bens que lhe tocava (Lucas, 15, 11-32).
b) A Parábola do rico mau e do pobre Lázaro, Lucas, 16, 19-31, representa o confronto entre a miséria e a riqueza. O mau uso dos bens é imoral. A luxúria, a avareza, a ganância, são erros gravíssimos. A parábola afirma que o pobre Lázaro queria saciar sua fome com os restos que caíam da mesa do rico. O homem rico era vaidoso e extremamente avarento. Chegou o fim da vida para os dois. Após a morte, Lázaro foi para junto de Deus e o homem rico foi sepultado no inferno, lugar de sofrimentos. Naquela outra dimensão das almas, o rico suplica ao Pai Abraão para que Lázaro molhe com água a ponta de seu dedo para refrescar sua sede. Na Terra, Lázaro sofreu as piores dores físicas possíveis e o rico sempre teve prazeres e mais prazeres. Na eternidade, o rico sofre os castigos por ter sido avarento e injusto. Lucas nos adverte que o rico suplica ao Pai Abraão para que mande alguém advertir seus irmãos para que mudem de vida e não venham cair no inferno. Abraão responde que na Terra, os seus irmãos e parentes têm os profetas, os sacerdotes, todos os que têm a missão de ensinar. Basta que eles saibam ouvi-los. A parábola do rico e do pobre é uma verdadeira lição de moral cristã, especialmente para a fé, a esperança e a caridade. Se o rico fosse caridoso e reconhecesse no pobre o seu semelhante, certamente teria fé em Deus. O exercício constante da fé representa o cultivo da esperança.
Concluindo, a ética tem seu fundamento no mandamento do amor: "amai-vos uns aos outros". O amor é a somatória da prática das virtudes. Havendo o seu cultivo, os homens estarão livres das necessidades de precaução das leis terrenas. O amor é serviço, é doação, é compreensão, é a totalidade do ser humano.
A RELIGIÃO E A CIÊNCIA NECESSITAM DO MÉTODO E DA TRANSCENDENTALIDADE.
*Dr. Afonso de Sousa Cavalcanti _ professor da FAFIMAN, FACCAR E UNIPAR.E-mail: afonsoc3@hotmail.com
INTRODUÇÃO
O bem e o mal são termos conceituados pela ciência e pela religião. No estado natural, o homem é dotado de bom senso e este lhe proporciona o livre arbítrio. Para frisar bem isto, o presente trabalho irá discorrer sobre a tríade interpretação da avaliação-reflexão-ação que pode ser encontrada em dois temas fundamentais: entre o certo e o errado não existe meio termo e os sete pilares indispensáveis ao desenvolvimento social: a justiça, a liberdade, a verdade e o amor; as riquezas que aumentam sem trabalho; o prazer sem ordem revela a falta de personalidade, de racionalidade, de consciência; o conhecimento com ambição de poder; o lucro originado pelo poder econômico sem ética torna-se um monstro; a ciência na forma egoísta é um mau causador da violência; a mercadoria, ao tomar o lugar da religião, destrói na pessoa o sagrado. Os dois temas, estudados pela ciência (filosofia) e religião alcançam maior compreensão, uma vez os atores engajados no estudo saibam utilizar do método e também da forma transcendental.
Fazer uso do método e ser transcendente é perceber a ciência e a Religião como instrumentos que ensinam a pensar e criar novas tendências sociais, no sentido de tolerar e afastar as possibilidades de um convívio social sórdido, embrutecido e curto – naquilo que previam os líderes mundiais, antes do liminar do ano 2000, que o Século XXI haveria de ser o século da solidariedade –, digamos, é a busca da liberdade.
1. Entre o certo e o errado não existe meio termo: crença ou recompensa?
Muitos confessam que já se certificaram de que a mercadoria está tomando o lugar da religião e destruindo o sagrado; viram que a flecha da ciência, correndo velozmente está sendo instrumento da ganância, do ódio e da divisão da humanidade. O ato de religar o homem a Deus exige sacrifício, ascese continuada. O sacrifício e a ascese fazem parte do testemunho da vida, por momentos continuados de oração, jejum, abstinência e renúncia de si mesmo. Para os acadêmicos é bom indicar a boa leitura e o rigor nas pesquisas científicas, tendo como meta a práxis (ou seja, a teoria bem combinada com a prática).
A ação de desejar esconder-se no sacrifício sem o fazer, é praticar a religião sem escrúpulos, por exploração. Parmênides afirmou que "O ser é o positivo puro e o não ser é o negativo puro, um é o absoluto contraditório do outro."( REALE E ANTISERI, 1990, V. I. p 51). O ato de ser religioso leva o sujeito à ética do comprometimento, de carregar uma cruz (no caso dos cristãos), em ter uma marca registrada, segundo seu fundador (no caso de outras religiões). O existencialismo de Martin Heidegger afirma que o discurso que sai da boca para fora é um falatório. Se este falatório for da religião cristã, pode-se afirmar que, neste caso, está havendo uma prática sem testemunha. Tal prática é uma forma de linguagem verbal sem vida, sem sentido, desnecessária. O lugar da religião está no sacrifício, na tolerância e no respeito, que envolvem o homem e o mundo, como se ambos fossem um Todo em harmonia com o seu Criador.
A reflexão sobre a religião faz o homem usar seu bom senso e o conduz pelos caminhos da política, da riqueza, do prazer, do conhecimento, do crescimento econômico, da ciência. A religião e a ciência possibilitam ao sujeito o melhor momento para realizar sua existência, em poder ser um ser da cura e da procura.
2. A religião e a ciência (filosofia) definem questões entre o bem e o mal.
Ao Ler o artigo "João Paulo II e Gandhi", de Dom Orlando Brandes, o leitor pode refletir e escrever as sete verdades apontadas pelo escritor e ao mesmo tempo comentá-las, seguindo os interesses da ciência e da religião cristã. Eis as sete questões:
2.1 Os pilares da política são "a justiça, a liberdade, a verdade e o amor." Numa sociedade sem o verdadeiro princípio da política (sem que o zoon politikon faça exercitar sua racionalidade e sensibilidade) prevalecerão os interesses dos poderosos, dos corruptos, daqueles que possuem a tecnologia da fraude e da manipulação. Ao contrário dos maus hábitos políticos tão constantes em nossas sociedades, que têm sido geradores da fome, da violência, da exclusão social (expropriação, exploração e espoliação), a política verdadeira traz em seu bojo os sentidos do bem comum, da solidariedade, da garantia dos direitos humanos, da dignidade pessoal e da realização do ser no cumprimento de seu dever ser.
2.2 A pirâmide social é deformada porque as riquezas aumentam sem trabalho. As novas tecnologias e a informatização social têm aumentado sem que a escala de valores seja nelas incorporada. As lutas de classe têm aumentado constantemente. Os ricos ascendem para o topo da pirâmide conforme possuem os meios de produção e o comando da oligarquia dominante. Os pobres perdem gradativamente suas possibilidades e se alienam, aninhando-se na margem inferior, sem poder, sem vez e sem voz. A tecnologia aumenta as riquezas e retira as possibilidades de trabalho. A máquina é bem vinda, bem aceita, e o homem é desprezado, marginalizado socialmente.
2.3 O prazer com ordem é o equilíbrio. O prazer sem ordem revela a falta de personalidade, de racionalidade, de consciência. A liberdade de escolha (o livre arbítrio) é algo de mais fino que o sujeito pode possuir. A atitude de poder escolher, para que o sujeito possa ser: casto ou promíscuo; egoísta ou altruísta; glutão ou comedido; avarento ou solidário-caridoso e outras atitudes de escolha, revela a autonomia e a autenticidade. O texto lido afirma que Gandhi viveu a autenticidade e buscou o prazer com consciência. Para ele, ser casto e equilibrado representava o prazer espiritual, maior que o prazer material. A reflexão espiritual nos leva a pensar que o prazer é dádiva do Criador. A ação de buscar o prazer sexual sem racionalidade faz com que o sujeito exerça sua tirania egocêntrica, seja ególatra e se subjugue ao ídolo do orgasmo, da orgasmomania. Este ídolo tem dado ao homem desordenado os títulos de violento, de injusto socialmente, de doente mental, de sujeito sem personalidade, sem caráter. Ao contrário, o homem justo, equilibrado pelo entendimento e sensibilidade (como preconiza Kant), é saudável, criativo, entusiasmado, doador. Este tem demonstrado o gosto de viver. O verdadeiro prazer não é passageiro, corriqueiro ou repentino. Ele está no verdadeiro exercício do ser, no cumprimento do dever ser. A ação de fazer o bem indica a facilidade que o sujeito tem de usar bem o seu corpo e a sua mente. A ação contrária, o fazer o mal, indica um esforço muito maior, que é a negação do ser. O corpo e a alma possuem, intrinsecamente as possibilidades para o verdadeiro prazer. Este exercício indica o prazer com consciência.
2.4 O conhecimento com ambição de poder. Conhecer por conhecer, para colecionar título, trata-se da erudição e não da sabedoria. A erudição indica o aumento do poder condicionado ao uso da força. Representa a manipulação e não o novo nascimento do ser. Conhecer é uma nova expectativa de vida. Significa abrir-se para novos caminhos, amadurecer, criar novas possibilidades, lançar-se livremente. A falta de caráter leva o sujeito a conhecimentos gerados sem o bom senso, sem os valores que produzem a vida autêntica, mas que levam à morte, à crueldade, à brutalidade.
2.5 O monstro do lucro é originado pelo poder econômico sem ética. A economia, crescente nos países desenvolvidos e emergentes, vale-se da propaganda que providencia a lavagem cerebral na maioria dos consumidores. Trata-se da forte evangelização criada e domesticada pelos banqueiros, industriais e donos dos grandes meios de produção. O consumidor se satisfaz em poder comprar, em ter algo que lhe dá "status". Os homens, de posse dos bens, aumentam sua fé nas bolsas de valores, nas cadernetas de poupança e em altas aplicações dos meios econômicos. O mercado consumidor domestica a população e domina a todos sem ética. Para ele, o bom senso é lucrar e ensinar a consumir. Os mais fortes crescem e não se deixam afetar pela pobreza e marginalização sociais. "O crescimento econômico sem ética é o pior monstro que a Terra já viu. Ele é a fonte da violência, miséria, fome, prostituição, poluição, neurose e pânico."(BRANDES, 1997). A riqueza impera onde a economia triunfa sem ética.
2.6 A ciência torna-se egoísta e seu mau uso causa a violência.
A flecha da ciência caminha para o bem ou para o mal. O conhecimento depende do livre arbítrio. Na sociedade onde impera o capitalismo selvagem e massificador, a ciência é desumana e está a serviço dos poderosos e violentos. Sem consciência, sem projeto, sem autonomia, sem autenticidade, a ciência gera a discriminação, o racismo, o subdesenvolvimento, o empobrecimento e a exploração. A serviço dos valores egocêntricos, a ciência desvia-se dos valores da fé, do humano e do sagrado. O desvio da flecha da ciência é drástico, pois a conduzirá à terra dos desafetos, para a região dos materiais descartáveis, do lixo que não se acaba. Tal ciência repousará nos interesses ideológicos corporativistas, no egocentrismo sem volta.
2.7 A mercadoria tomando lugar da religião e destruindo o sagrado. A ação de religar o homem a Deus exige sacrifício, ascese continuada. Tal sacrifício passa pelo testemunho de vida, por momentos continuados de oração, jejum, abstinência e renúncia de si mesmo. "O ser é e o não ser não é", dizia Parmênides. O ato de ser religioso exige uma ética do comportamento, do carregar uma cruz – como o fez Jesus; em ter uma marca registrada – segundo os fundadores de outras religiões. O discurso que apenas sai da boca para fora é um falatório (que no caso da religião cristã, é uma prática sem testemunha, é uma forma de linguagem verbal sem vida). O lugar da religião está no sacrifício, que envolve o homem e o mundo, como se ambos pudessem ser um Todo em harmonia com seu Criador.
Ao pensar sobre estas sete reflexões, possibilito meu ser em vislumbrar a condição de poder escolher o caminho da santidade. Quero passar pela política, pela riqueza, pelo prazer, pelo conhecimento, pelo crescimento econômico, pela ciência e pela religião, observando o melhor momento de realizar minha existência, em poder ser um ser da cura, da procura e discernimento.
CONCLUSÃO
A espécie humana, de sua origem à sua evolução, recebeu diversos conceitos devido a seus atributos: multidão, população: massa atomizada, massa, povo, sociedade, cidadãos solidários, sábios. Para que os homens alcancem a evolução, alguns requisitos são indispensáveis, tais como: o conhecimento, a experiência, a invenção, a criatividade, a convivência, o diálogo, a prática das virtudes, as metodologias, o amor. Sem justiça, liberdade, verdade, bondade, beleza e amor, não haverá o sujeito civilizado. O discurso que apenas sai da boca para fora é um falatório. Ao pensar sobre estas reflexões, o sujeito humano participa da condição de poder escolher métodos adequados para filosofar, fazer ciência e atingir a santidade. Quer passar pela política, pela riqueza, pelo prazer, pelo conhecimento, pelo crescimento econômico, pela ciência e pela religião, observando o melhor momento de realizar sua existência, em poder ser um ser da cura, da procura e do discernimento. Com a religião e a ciência, o homem pode usar seu bom senso e trilhar bem os caminhos da política, da riqueza, do prazer, do conhecimento, do crescimento econômico, uma vez tenha como ferramentas culturais o método, a transcendentalidade e o temor a Deus.
Unidade IV.
A ÉTICA E A POLÍTICA
Atividades:
1) Apresente pelo menos três argumentos fortes que demonstrem a necessidade de ter um bom político. Quais são as qualidades que ele deve ter?
2) A teoria da justiça requer a participação dos cidadãos. Como isto deve acontecer?
3) O Brasil tem passado por sérias crises políticas. Pode-se afirmar que o Brasil sofre de dois grandes males na política: a corrupção daqueles que são eleitos ou indicados, e a ignorância (a venda do voto) por parte da maioria dos eleitores. Você concorda com isto? Dê sua opinião.
4) Leia o texto de Hobbes e Locke e procure descrever sobre as duas sentenças a seguir: 1. O homem é lobo do homem. 2. Mesmo no estado de natureza o homem é bom e, porque raciocina e trabalha, ele é feliz.
5) Retire do texto pelo menos cinco considerações que indiquem que o estudo do Leviatã (Hobbes) e do Segundo Tratado sobre o Governo (Locke) contribui magnificamente para a ética na política.
6) Descreva a forma da soberania apontada por Hobbes e por Locke. Faça de forma sintetizada.
7) O inimigo objetivo de Hitler era o judeu, ao passo que o inimigo objetivo para o bolchevismo, na URSS, era o proprietário de terra. O que os dois sistemas políticos totalitários fizeram com estes inimigos?
8) O que é o poder, de acordo com o estudo de Arendt? Você concorda que no Brasil também são praticados a propaganda, a doutrinação e o terror (mesmo que de forma disfarçada)? Dê sua opinião a respeito.
9) No estudo de Arendt que denuncia o totalitarismo, qual é a sua contribuição ética para a política? Apresente pelo menos três bons argumentos ditos no texto.
Unidade IV
A ÉTICA E A POLÍTICA: NA VISÃO ABSOLUTISTA E TOTALITÁRIA.
A política é a arte de administrar um povo. Seu objetivo é o de resolver os conflitos sociais. O pensador John Rawls descreveu a ética como instrumento capaz de garantir a ordem social. Ele afirma que existem três tempos importantes para o conteúdo ético: "a) reconhecimento do conflito entre os bens disponíveis escassos e o desejo ilimitado de posse por parte dos indivíduos; b) intervenção da teoria da justiça instaurando a sociedade bem ordenada (justa); c) a consolidação da comunidade política onde prevalece a cooperação, o senso da justiça e as virtudes da cidadania" (PEGORARO, 1995. p. 68; NALINI, 1999. p. 167). Por estas citações pode-se concluir que:
1)A ganância é um vício. Por intermédio dela, pode-se afirmar que no Brasil as maiores riquezas estão concentradas nas mãos de 98.000 ricaços. Da mesma forma, mais de 50% das terras agricultadas do Brasil estão em poder de apenas 30.000 grandes fazendeiros.
2) A teoria da justiça, responsável por gerar a sociedade justa, depende da elaboração de leis que garantam a igualdade e não a equidade social. Em nosso país, temos assistido que grande parte de nossos legisladores tem demonstrado infidelidade com seus eleitores e é difícil acreditar nesta sociedade justa.
3) Para que a comunidade política se consolide faz-se necessário o desenvolvimento da consciência moral, com autonomia e autenticidade. Isto somente é possível com a educação que gere o uso constante do bom senso, das virtudes e da cooperação cidadã.
A política se consolidará a partir do momento em que não houver mais exclusão e todos os indivíduos puderem participar de uma vida digna. Tal condição de vida faz com que os sujeitos se tornem ativos, fermento na massa, condutora da massa e ao mesmo tempo formadora de opinião.
Para demonstrar que a ética deve ser o fio condutor da política, serão estudados, a seguir, dois textos: o de Hobbes e Locke e o de Hannah Arendt.
I. POR UMA ÉTICA NA POLÍTICA: CONFRONTO ENTRE OS PENSAMENTOS DE THOMAS HOBBES E JOHN LOCKE
* Afonso de Sousa Cavalcanti. Mestre em Filosofia (concentração em Ética), pela PUCCAMP, Doutor em Educação, Administração e Comunicação, pela UNIMARCOS, professor de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari.
Resumo: Analisar o confronto de idéias políticas entre o liberalismo e o absolutismo através do pensamento de Thomas Hobbes e John Locke, constitui a proposta deste trabalho. Para tanto, considerou-se como centro da investigação as obras "Leviatã" e o "Segundo Tratado sobre o governo". A primeira obra foi escrita por Hobbes, e constitui-se em um livro que encarna o Estado absolutista. O segundo livro, escrito por Locke, é uma obra fundamental para o entendimento da Teoria do Liberalismo.
1. INTRODUÇÃO.
O presente ensaio tem por objetivo demonstrar comentários sobre as idéias políticas de Thomas Hobbes e de John Locke, ou seja, a partir das leituras sobre o "Leviatã" e o "Segundo Tratado sobre o governo" busca-se confrontar os pensamentos políticos destes dois autores, tendo como resultado a origem das idéias absolutistas e liberais. E, procurando um melhor esclarecimento sobre estes dois autores, é possível destacar alguns pontos de confronto nas concepções de Hobbes e de Locke, as quais serão a seguir apresentadas em suas linhas gerais.
2. THOMAS HOBBES
Thomas Hobbes constitui-se em um dos mais notáveis políticos da idade moderna. Nasceu na Inglaterra, em 1588 e realizou seus estudos na Universidade de Oxford num período de turbulência política, anarquia social e convulsão religiosa. O mesmo foi uma pessoa obcecada pela paz. ( REALE e ANTISERI, 1991: v. II. P. 485; Civita, 1983. p; VII). Viajou pela Europa e nessas ocasiões teve contato com as obras de Euclides, Galileu Galilei, René Descartes além das leituras de trabalhos de outros pensadores racionalistas. Tornou-se preceptor de Carlos II (Civita, 1983: IX). E devido a sua vivência, em tempo de terror e torturas, tornou-se defensor de um governo forte que pudesse trazer a ordem e a paz (BOBBIO, 1991. pp. 57-58).
Suas obras qualificam-no como o mais importante pensador político da modernidade até Hegel. Seu livro Leviatã é considerado a melhor obra de teoria política de seu tempo e de acordo com o autor a mesma deveria ser ensinada em público visando a promoção da paz e do controle social (BOBBIO, 1991. p. 58).
Por outro lado, o pensamento de Hobbes, se analisado em profundidade, apresenta importantes considerações que podem ser denotadas através dos seguintes aspectos:
a) O Empirismo: porque procura conhecer os fenômenos, quando estes são percebidos pelos sentidos. Os sentidos levam à percepção real da matéria para o intelecto. Para bem dirigir o Estado, Hobbes propõe um método da análise e da síntese. É através do conhecimento das paixões humanas que poderemos julgar se uma ação é justa ou injusta. O Estado torna-se necessário para controlar as paixões desenfreadas dos homens. O portador da pessoa do Estado "se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano" (HOBBES, 1983. p. 106; MADOUAS, 1973. p. 348).
b) O Dedutivismo e materialismo: porque procura construir uma ciência geral a partir das paixões naturais que produzem a guerra entre os homens. Hobbes deduz que o Estado é fruto da racionalidade. A convenção entre os homens produzirá o Estado, a partir do momento que o homem avalia o bem e o mal, o justo e o injusto (HOBBES, 1983. pp. 104-105; REALE e ANTISERI, 1991: v. !!. pp. 432-433).
c) O Racionalismo: porque tudo deve ser construído através da razão. Hobbes apontou que o maior erro da política é exatamente a falta de um método. A racionalidade nasceu de "uma imposição de nomes e em segundo lugar através de um método bom e ordenado (...) até chegarmos a um conhecimento... que os homens chamam ciência". A política deve ser de forma científica e não em linguagem metafórica (HOBBES, 1983. p. 30).
d) 0 Nominalismo: porque a base de tudo está nas experiências realizadas. Os nomes todos que temos passaram pelos sentidos. O discurso verdadeiro vem da experiência e é sinal de prudência. "Todas as nossas afeições nada mais são do que concepções" (HOBBES, 1983. pp. 25-26).
e) A Religiosidade: porque Hobbes usou grande parte das obras The Elements of Law, Natural and Politic e do Leviatã, para esclarecer a obediência necessária ao soberano, evitando assim a divisão do poder. Para ele a salvação da alma está subordinada à autoridade civil. Fazer justiça é cumprir as leis civis. A preocupação de Hobbes com a filosofia religiosa vem justamente porque Hobbes viveu a guerra religiosa na Inglaterra. O poder religioso ameaça o poder civil e na opinião de Hobbes isto jamais pode ocorrer (HOBBES, 1983. pp. 277-278). A chefia do povo deve estar sempre com o chefe do poder civil e não com o chefe do poder religioso. Hobbes resume a defesa bíblica em dois argumentos: a) para ser cristão basta acreditar que Jesus é o Cristo filho de Deus; b) o reino de Deus não é deste mundo e Jesus veio apenas para ensinar e pregar e não comandar. Hobbes não admite a divisão entre os poderes temporal e espiritual. Para Hobbes "a Igreja que pode fazer leis é o Estado" (HOBBES, 1983. p 349 e Cap. XLIII).
3) JOHN LOCKE
John Locke, nascido em 1632, tal como Hobbes, também nasceu na Inglaterra e estudou em Oxford. Dotado de grande inteligência, este filósofo tem sido considerado como um dos fundadores do empirismo tal como o é conhecido nos dias de hoje. Da mesma forma é visto como um dos precursores da Teoria do Liberalismo. É chamado de o Pai do Liberalismo. Em vida trilhou os caminhos da medicina, da filosofia e da política. Como médico particular de Anthony Ashley Cooper, (Secretário na corte inglesa) conviveu com as maiores personalidades da política da Inglaterra de seu tempo e tornou-se amigo de Robert Boyle, um dos mais importantes físicos nascidos no Reino Unido.
Com relação ao trabalho político de Locke, o mesmo tem início quando se tornou secretário do Chanceler Shaftesbury que representava o parlamento inglês e se opunha ao absolutismo do rei Carlos II. Em conseqüência deste papel político, tanto Locke como o Ministro foram perseguidos e se refugiaram na França daí retornando em 1679 e sofreram nova perseguição que os obrigou a buscarem asilo na Holanda, onde permaneceram até que a Revolução Gloriosa elevasse ao poder Guilherme de Orange e Maria Stuart. A partir deste momento, Locke iniciou uma luta contra o absolutismo proposto por Hobbes (MARTINS E MONTEIRO, 1991. pp. VII-IX).
Examinando-se as obras de Locke, constata-se que as mesmas fazem a defesa do racionalismo, da experiência e, sobretudo do indivíduo como centro das atenções. Sua principal obra política, Segundo Tratado Sobre o Governo contribuiu para o surgimento do ideal liberal, através de uma sociedade democrática. Igualmente foi defendida a liberdade religiosa dos indivíduos, não sendo aceita a teoria do direito divino (MARTINS, 1991. p. IX; REALE E ANTISERI, 1991: v. II. Pp. 524-527). Portanto, é possível dizer que Locke lutou pela liberdade civil, religiosa e política. A análise da sua filosofia apresenta pontos importantes, pois revela ser:
a) Empirista porque defendeu que o conhecimento humano é adquirido através das experiências. O Ensaio Sobre o Entendimento Humano é uma grandiosa obra na demonstração de que o conhecimento humano somente é possível através da experiência. "A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui suficiente prova de que não é inato" (LOCKE, 1991. p. 13). Não existe na mente humana conhecimento algum, quando do nascimento das pessoas.
b) Racionalista e Dedutivista porque a razão e a experiência necessitam estar sempre juntas e jamais uma pode anular a outra. Locke buscou o "apelo à experiência. Esta é a verdade, a única via que pude descobrir como adequada para levar as idéias das coisas ao entendimento"(LOCKE, 1991: 49; REALE e ANTISERI, 1991, v. II. Pp. 512-513). As verdades universais e necessárias chegam ao conhecimento através do método demonstrativo. As leis morais tanto podem gerar o bem como o mal. Pelo fato de os homens serem "criaturas da mesma espécie e da mesma ordem, nascidas promiscuamente a todas as mesmas vantagens da natureza e ao uso das mesmas faculdades, terão também de ser iguais umas às outras sem subordinação ou sujeição" (LOCKE, 1991. p. 217). Os homens gozam do poder racional, em poder eleger seus governantes. "O que dá início e constitui realmente qualquer sociedade política nada mais é senão o assentimento de qualquer número de homens livres e capazes de maioria para se unirem e incorporarem a tal sociedade" (LOCKE, 1991. p. 254).
c) Religiosa porque Locke, alicerçando sua filosofia a partir da experiência, também defendeu que todos os homens são "obra de um Artífice onipotente e infinitamente sábio" e que este ser criador deu aos homens o poder de livre decisão e de não subordinação (LOCKE, 1991. p. 218).
Em seguida às exposições de Hobbes e Locke, será apresentado o contexto histórico do Século XVII, da História da Inglaterra, em que o absolutismo, a anarquia social e política são muito fortes. Neste clima absolutista vive Thomas Hobbes, tornando-se o seu maior defensor. Praticamente no final do século XVII é que o clima absolutista, o poder civil inglês que era ameaçado por uma guerra constante, cedeu lugar à paz, ao nascimento do ideal liberal. Neste contexto apareceu Locke e com inteligência combateu o absolutismo reinante. Podemos afirmar que os mandatos de Elizabeth I (1558-1603), de Jaime I (1603-1629), de Carlos I (1629-1649), de Cromwell (1649-1658), de Ricardo, filho de Cromwell, (1658-1660), de Carlos II (1660-1685), de Jaime II (1685-1688), todos eles foram de agitação, de desmando e de intensa confusão religiosa, política, econômica e social. Com o advento da Revolução Gloriosa (1688), a Inglaterra volta a ter paz (BOBBIO, 1991. pp. 26-28; CAMPOS, 1977. pp. 66-70). O absolutismo cedeu lugar à monarquia limitada pelas leis e neste clima Locke construiu sua filosofia política, encarnada no ideal democrático (MARTINS E MONTEIRO, 199. pp. VII-IX; CAMPOS, 1977. pp. 69-70).
4. CONSIDERAÇÕES SOBRE O LEVIATÃ.
A obra Leviatã de Thomas Hobbes, simbolicamente, encarna o Estado absolutista. A afirmação aristotélica de que "o homem é um animal que por natureza, deve viver numa cidade" (REALE, 1993, v. I. p. 433) é fundamental para compreendermos melhor a filosofia política de Hobbes. Para ele, isto é falso. O homem hobbesiano é um ser de desejo, é egoísta, é lobo para o outro homem. Por ser egoísta, desejoso, ambicioso, o homem vive em constante guerra, "uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens" (HOBBES, 1983. p. 75; MADOUAS, 197,: v. 78, n. 3. p. 349; BOBBIO, 1991. pp. 36-38). No Leviatã, Hobbes defendeu o absolutismo com base na instabilidade política da Inglaterra de seu tempo. Esta obra é dividida em quatro partes: l. Do homem; 2. Do Estado; 3. Do Estado Cristão; 4. Do Reino das Trevas (HOBBES, 1983. p. 420). Este livro é um objeto específico na defesa do absolutismo (BOBBIO, 1991. pp. 26-42). Teremos maior clareza desta questão, se observarmos cuidadosamente os seguintes aspectos:
a) O estado de natureza corresponde a toda a situação associal sem governo. Para teorizar o modelo de Estado necessário, Hobbes analisa a natureza humana. No estado de natureza ou estado de guerra é uma verdadeira anarquia. O homem é um ser de desejos, ser que vive constantemente imaginando como conquistar seus espaços, seus bens. As paixões humanas são expressas através da linguagem. Pela linguagem, o homem expressa seu desejo do bem ou do mal, do cumprimento ou não de suas promessas (HOBBES, 1983, Cap. VIII. Pp. 74-75). Através da razão, o homem explora o mundo e é preciso buscar em Hobbes o método que evitará as discórdias entre os homens. O homem é detentor de poder que é expresso através de suas forças naturais: "a força, beleza, prudência, capacidade, eloqüência, liberalidade ou nobreza" (HOBBES, 1983. p. 53). Mesmo tendo os poderes naturais, os homens são infelizes, no estado de natureza, porque vivem cobiçando os bens uns dos outros. Para sair deste estado de guerra, é conveniente que o homem faça uso do poder da razão e realize o pacto social com os outros homens. O pacto evitará as 3 causas das discórdias: a competição, a desconfiança e a glória. Será o caminho para sair da vida solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta (HOBBES, 1983. p. 76; BOBBIO, 1991. p. 35). Governando a si mesmo pela razão, cada homem realizará um grande esforço em busca da paz. Hobbes afirmou que segundo a razão, as leis de natureza podem ser resumidas nesta lei: "Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti" (HOBBES, 1983. p. 93). Esta razão conduz o homem à celebração do contrato. O contrato representa a transferência de direitos e a garantia de promessas, tanto da parte dos súditos que renunciam seus direitos naturais a favor do Príncipe e também do Príncipe para com os súditos, garantindo-lhes o direito à vida e à sua preservação (BOBBIO, 1991. pp. 42-44 e 80).
b) O estado civil é para Hobbes o remédio acertado contra os males do estado de natureza. No estado de natureza, os homens renunciam da liberdade através do pacto de união. Através do pacto de união, celebram o contrato e constituem o estado civil. A paz será alcançada se houver o consentimento total de todos os homens. O Estado civil é um "Deus Mortal ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa" (HOBBES, 1983. p. 106; REALE e ANTISERI, 1991, v. II. P. 502). Este Estado deve ser compreendido nas seguintes questões: l. O pacto de união que gera o contrato é irrevogável porque representa a renúncia individual de cada súdito e ao mesmo tempo o pacto é celebrado entre os súditos e não entre os súditos e o Príncipe (HOBBES, 1983. p. 77). A propriedade somente será garantida através das leis civis. 2. A soberania é irrevogável porque sendo o pacto realizado entre os indivíduos singulares, ou seja, "cada indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer,... cada indivíduo é autor dos atos de seu soberano" (HOBBES, 1983. p. 109). O contrato individual garante a estabilidade do soberano e ao mesmo tempo todos os súditos assumem responsabilidades para com o terceiro ao qual o contrato foi estipulado. O poder do soberano está garantido no relacionamento dos cidadãos com os outros cidadãos e também na transferência da liberdade e na obediência que os súditos lhe prestam, tendo em contrapartida a garantia da vida, a preservação da paz e da justiça (HOBBES, 1983. pp. 107-111). 3. A soberania é absoluta porque é conseqüência da irrevogabilidade. É absoluta porque o Príncipe é o portador de todos os direitos e não necessita prestar contas a ninguém nesta terra (BOBBIO, 1991. p. 48). 4. A soberania é única e indivisível porque é concedida a uma única pessoa. Hobbes defende a unidade e a indivisibilidade, baseando-se na própria experiência de vida que viveu no século XVII, na Inglaterra. A unidade e a indivisibilidade não permitirão a competição e os desmandos. Sendo indivisível a soberania, o soberano terá a garantia das espadas da justiça e da guerra. Os três poderes são interdependentes e não podem deixar de pertencer a uma única pessoa (BOBBIO, 1991. pp. 51-53; CAVALCANTI, 2001. pp. 60-62).
c) As leis civis são para Hobbes a transformação das leis naturais em garantia de vida a todos os súditos ( HOBBES, 1983. pp. 161-165; BOBBIO, 1991.p. 49). Estas leis devem ser elaboradas a partir das leis de natureza. Na obra Leviatã, são encontradas as principais regras das leis de natureza. Estas são: 1ª) O esforço em busca da paz porque a paz é o fim último do homem e do Estado; 2ª) A renúncia do direito natural sobre tudo, tendo em vista a liberdade de si e dos outros, livrando-se da guerra; 3ª) O cumprimento dos pactos celebrados, tendo em vista que a origem da justiça está nos pactos; 4ª) Devolver aos outros os benefícios recebidos e sendo sempre agradecido e contribuinte mútuo; 5ª) A sociabilidade, em forma de adaptação social, sendo complacente, cuidadoso, amante da paz; 6ª) Dar o perdão àquele que se encontra arrependido, pois o perdão é a garantia da paz; 7ª) Olhar sempre para o bem futuro e não para o mal passado, livrando-se sempre da vingança; 8ª) Evitar a injúria, fugindo do ódio e do desprezo, pois o ódio e o desprezo mantêm a todos em guerra; 9ª) Evitar o orgulho, reconhecendo que todos os homens são iguais; 10ª) Não desejar aos outros o que não lhe agrada, este é o verdadeiro sinal da modéstia; 11ª) Comportar-se conforme a eqüidade e a parcialidade, utilizando-se da justiça distributiva; 12ª) Que as coisas não divididas sejam usufruídas por todos; 13ª) Que o mediador da paz tenha salvo-conduto; 14ª) Caso haja controvérsia, que o direito seja submetido ao julgamento de um árbitro. O resumo de todas estas regras pode ser entendido por qualquer pessoa: "Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti" (HOBBES, 1983, Cap. XIV e XV. Pp. 78-95; REALE e ANTISERI, 1991, v. II, pp; 499-500) . O poder do soberano é ilimitado para as leis naturais e civis. Para Hobbes, existem outras regras esclarecedoras: 15ª) Todo abuso será objeto de punição em leis; 16ª) Se o soberano fracassar, os súditos retornarão ao estado de guerra novamente; 17ª) O soberano tem por obrigação honrar os súditos conforme suas renúncias individuais; 18ª) ao soberano cabe segurar a vida do povo e prestar contas a Deus de seus atos; 19ª) A igualdade dos súditos deve ser preservada pelo soberano, embora possa o soberano conferir honras àqueles que se destacam (HOBBES, 1983. pp. 110-113).
d) A desagregação do Estado, a indivisibilidade do poder e o poder religioso. O Estado não pode ser dividido, mas é ameaçado, a qualquer momento, por aqueles que querem a divisão do poder e que buscam a força religiosa como um poder divisório.
O poder da Igreja é um poder forte que ameaça o Príncipe. Hobbes defende que no Estado exista apenas o poder civil, sendo o poder da Igreja subordinado ao Príncipe do poder civil. O poder religioso não pode ameaçar o poder civil, pois, "o governante tem que ser um só, caso contrário, segue-se necessariamente a facção e a guerra civil no país, entre a Igreja e o Estado, entre os espiritualistas e os temporalistas, entre a espada da justiça e o escudo da fé" (HOBBES, 1983. p. 277; REALE e ANTISERI, 1991, v. I. p, 303). A Guerra Religiosa que derrubou Carlos I foi causada pela força do Parlamento que tinha sua maioria nos líderes religiosos. Estes líderes eram das igrejas revolucionárias: Igreja Católica, Igrejas Nacionais Reformadas, Igreja Anglicana e, diversas outras seitas não-conformistas (HOBBES, 1983. p. 303; CAMPOS, 1985. pp. 68-70). Para Hobbes, em se tratando do poder religioso, somente serão necessárias duas máximas para o bom cristão: l. acreditar "que Jesus é o Cristo, o filho do Deus vivo" (HOBBES, 1983. pp. 345; Jo, 20,31); 2. Acreditar nestas palavras de Jesus: "Meu Reino não é deste mundo" (HOBBES, 1983:. pp. 286 e 303; Jo, 18, 36). Não existe mais nada além destas duas certezas absolutas. Hobbes argumenta com profundidade, na 3ª parte do Leviatã, sobre o Estado Cristão, querendo mesmo destruir as argumentações dogmáticas do cristianismo católico e também de outras igrejas que queriam dividir o poder na Inglaterra (HOBBES, 1983. pp. 291-340).
5. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO "SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO"
Esta obra política de Locke é indispensável na defesa do liberalismo, pois constrói argumentos riquíssimos contra o absolutismo hobbesiano e também contra a teria do Direito Divino de Robert Filmer (MARTINS E MONTEIRO, 1991. p. XV). Locke construiu a política através da experiência e do uso ordenado da razão humana. Os homens são criaturas racionais e iguais em direitos e deveres. Admite que os homens são "obra de um Artífice onipotente e infinitamente sábio". Este Deus deu aos homens as leis de natureza e o poder racional para discernir bem as coisas e por ele decidir corretamente (LOCKE, 1991. p. 218). A defesa de Locke ao liberalismo demonstra que o indivíduo é anterior ao Estado, embora o Estado possa intervir minimamente nos negócios dos indivíduos. A razão tanto pode levar o homem ao bem como ao mal. A maldade representa a falta de estrutura racional. O liberalismo de Locke pode ser resumido propriamente em: a) os homens são iguais pelo uso da razão e naturalmente geram o contrato social; b) os indivíduos constroem o conhecimento a partir da experiência (LOCKE, 1991 pp. 217 e 1969. pp. 156-157; JORGE, 1992, v. 19, n. 57. p. 212) c) os homens sentem necessidade de um Ser Superior e por isso o Estado deve garantir a liberdade religiosa; d) a sociedade é alicerçada no direito à vida, à propriedade e à sobrevivência; e) o governo deve ser resultado do livre consentimento dos indivíduos em sociedade (LOCKE, 1991. pp. 217-221; ANDREY, 1988. pp. 231-232; MORA, 1978, v. II. pp. 216-217). O povo é livre para escolher a forma de governo que bem entender. A participação direta ou indireta dos cidadãos representa a melhor forma contra os abusos do poder. Na medida em que o homem escolhe entre "existir e não existir revela que até este ponto ele é livre" (LOCKE, 1991:pp. 72 e 268). A base fundamental do liberalismo é o indivíduo e para este deve ser o Estado. Esclarecendo melhor estes pontos vamos discorrer um pouco mais sobre o Segundo Tratado Sobre o Governo, de Locke:
a) O estado de natureza é um estado de perfeita ordem, de perfeita naturalidade, sem a existência de um governo constituído. Neste estado os homens são livres, seguros, gozando de paz e de harmonia. A harmonia e a ordem existem graças à razão. Através do trabalho o homem conquista a sua propriedade (LOCKE, 1991. pp. 227-229; MELLO, 1982. pp. 84-85; ANDREY, 1988. pp. 232-233). Vivendo segundo as leis de natureza, todo homem pode criar poder sobre o outro, caso haja transgressão a essas leis de natureza. Todas as pessoas ofendidas têm o direito de "castigar o ofensor, tornando-se executores da lei de natureza". A instituição do governo civil é defendida por Locke não para tirar os homens da anarquia como queria Hobbes, mas sim para evitar que os homens sejam juizes de si mesmos, em sua própria defesa (LOCKE, 1991. pp. 168-220; CAVALCANTI, 2001 pp. 79-80).
b) O estado de guerra é um estado de alteração da vida do outro, de destruição. Os que não fazem bom uso da razão ameaçam a vida dos outros como se fossem animais selvagens. Vivendo assim, estes agressores devem ser destruídos (LOCKE, 1991. p. 222). A sociedade é organizada a partir do momento em que se faz necessário constituir as autoridades competentes. A razão norteia os limites humanos e garante a cada homem a igualdade e a liberdade ou ainda pode submeter os outros homens ao estado de vexame, estado de guerra. O estado de guerra (estado de anarquia, de escravidão, de ameaças à vida, contra a honra, a propriedade e outros bens) cessará com o bom uso da razão (estado de natureza) ou com a autoridade competente (estado civil). Ao contrário de Hobbes, Locke afirmava que "o fundamento da gênese do Estado, portanto é a razão" (REALE e ANTISERI, 1991, v. II. p. 525). Para Locke, os estados de natureza e de guerra estão muito distantes um do outro "como um estado de paz, de boa vontade, de assistência mútua e preservação está de um estado de inimizade, malícia, violência e destruição mútua" (LOCKE, 1991. p. 223).
c) A propriedade é um direito natural do indivíduo. É conquistada através da força do trabalho individual e o Estado não pode violá-lo. Antes do trabalho ninguém é dono de nada. Tudo pertence a todos. Segundo Locke, "Deus deu o mundo a Adão e sua posteridade em comum" (LOCKE, 1991. pp. 227-232; MELLO, 1982. p. 85).
d) O contrato social representa uma garantia contra as ameaças à vida, à propriedade, à liberdade, à igualdade e a outros meios protetores do ser humano. Os inconvenientes do estado de natureza terão solução no contrato social que garante a constituição do Estado que tem por objetivo garantir as liberdades individuais do estado de natureza. O contrato social é formado a partir do pacto de consentimento dos homens que formam a sociedade civil. "Haverá sociedade somente quando cada um dos membros renunciar ao próprio poder natural" (LOCKE, 1991. p. 249; MELLO, 1982. p. 86). As ações comunitárias virão em conformidade com as leis civis estabelecidas. O estado civil representa a existência do povo. A união do povo origina o poder legislativo que fará as leis. De fato, "A primeira lei positiva e fundamental de todas as comunidades consiste em estabelecer o poder legislativo" (LOCKE, 1991. p. 268). Do Poder Legislativo nasce o Poder Executivo. "O executivo está investido em uma única pessoa que também toma parte no legislativo, esta pessoa única também pode chamar-se suprema" (LOCKE, 1991. p. 275). Do trabalho do Poder Legislativo, na elaboração das leis, e do Poder Executivo, na execução destas mesmas leis, surge a necessidade da criação do Poder Federativo da Comunidade para julgamento das leis, em caso de controvérsias entre os indivíduos (LOCKE, 1991. p. 273). A sociedade civil tem os seguintes fins: l. fazer as leis; 2. garantir a liberdade e a propriedade; 3. castigar os que erram; 4. garantir o povo, protegendo-o legalmente; 5. evitar e corrigir os inconvenientes do estado de natureza; 6. garantir a paz, a segurança e o bem estar social (LOCKE, 1991. pp. 246-252).
e) A escravidão representa a perda da liberdade, a falta de garantia à vida, à propriedade, à igualdade e outros benefícios individuais. A escravidão é o estado de guerra. Pode-se dizer que é o estado de irracionalidade (LOCKE, 1991. pp. 225-226).
f) A organização política tem por princípios e fins representar a individualidade frente ao poder político do Estado. No estado de natureza, o homem pode fazer o que julgar conveniente para si e para os outros e também castigar os crimes cometidos contra a lei de natureza. Ao entrar para o estado civil, o homem abandona estes dois poderes e passa a viver conforme as determinações das leis. Assim, podemos ver que a soberania para Locke é tratada da seguinte forma: l. A soberania é divisível em três poderes: o legislativo, o executivo e o federativo da comunidade (LOCKE, 1991. pp. 273-274). Pelo contrato social, os homens entraram para a sociedade civil, escolhendo a forma de governo que melhor lhes agradam. No estado de natureza cada indivíduo possui o poder executivo que é a força de se auto governar através da razão (LOCKE, 1991. p. 265, n. 131). Através do contrato social, a soma dos poderes executivos individuais constitui o poder legislativo que é representado pelo corpo jurídico do Estado que é o povo. O Poder Legislativo tem a incumbência de elaborar as leis necessárias. Por assim ser, o Legislativo é o poder supremo não arbitrário em relação à vida e aos bens das pessoas (LOCKE, 1991. p. 268, n. 134). O Poder Executivo nasce do Legislativo e por isso a pessoa que é detentora do Poder Executivo torna-se a pessoa suprema, cabendo a ela a execução das leis, mas é subordinada ao Poder Legislativo (LOCKE, 1991:. p. 276, n. 152; MELLO, 1982. p. 87). A partir da elaboração e da execução das leis, tarefas do Legislativo e do Executivo, poderão surgir alguns inconvenientes legais que devem ser julgados por juizes escolhidos. Estes julgamentos cabem a um terceiro poder que é o Federativo da Comunidade (LOCKE, 1991. p. 273, n. 146). 2. A soberania é revogável pelo simples fato de o poder nascer do povo, através do contrato social que foi celebrado para garantir a vida, a liberdade, a igualdade e a posse dos bens. A revogabilidade pode surgir no momento do abuso do poder ou na falta de poder. O poder é controlado da seguinte forma: o controle do Poder Executivo pelo Legislativo; o controle do Legislativo por uma Corte Jurisdicional através das leis; autonomia do governo local mas em respeito ao governo central; forte magistratura independente do poder político para julgar os casos extremos. O abuso do poder gera a punição e implica na suspensão do mandato, daí a revogabilidade da soberania no liberalismo (LOCKE, 1991. pp. 275-277; BOBBIO, 1994. p. 19; CAVALCANTI, 2001. p. 92). 3. A soberania é limitada pelos poderes Legislativo, Executivo e Federativo da Comunidade. O Legislativo elabora as leis e é o poder supremo. Uma pessoa do Legislativo se reveste em chefe do Poder Executivo e "é absolutamente necessário que o poder executivo seja permanente, visto como nem sempre há necessidade de elaborar novas leis, mas sempre existe a necessidade de exercitar as que foram feitas" (LOCKE, 1991. 276, n. 153; REALE e ANTISERI, 1991, v. II. pp. 525-526). O Federativo "é o poder de guerra e de paz, ligas e alianças, e todas as transações com todas as pessoas e comunidades estranhas à sociedade", é necessário em caso de controvérsias entre os indivíduos (LOCKE, 1991. pp. 273-274). Já foi confirmado que o Poder Legislativo torna-se soma de todas as liberdades individuais e que o Poder Executivo é apenas uma pessoa do Legislativo que irá executar as leis em defesa dos direitos individuais.
Portanto, conclui-se e torna-se importante lembrar que o liberalismo salienta que as leis existem para proteger os indivíduos, pois estes são anteriores ao Estado. O Estado existe para o bem do indivíduo e não como queria Aristóteles que afirmava ser a Polis anterior aos direitos individuais.
6. CONFRONTO ENTRE AS CONCEPÇÕES DE ABSOLUTISMO E LIBERALISMO.
Confrontando as concepções de absolutismo e de liberalismo em Thomas Hobbes e John Locke, é possível esclarecer que:
a) Segundo Hobbes, no estado de natureza, os homens são egoístas, ambiciosos, desejosos de tudo o que os cercam (HOBBES, 1983. p. 53 e 60; BOBBIO, 1991. p. 34; MADOUAS, 1973, v. 78, n. 3. p. 349).
b) De acordo com Locke, no estado de natureza, os homens são solidários, racionais e felizes. Tudo é resolvido através da razão (LOCKE, 1991. p. 217).
c) Segundo Hobbes, o estado de natureza é o estado de guerra, estado de conflito de todos contra todos, a guerra de todos contra todos. O homem é lobo para o outro homem (HOBBES, 1983. pp. 74-77; MADOUAS, 1973, v. 78, n. 3. pp. 354-359; ).
d) De acordo com Locke, porém, o estado de natureza não é o estado de guerra, mas sim o lugar onde impera o trabalho dominado pela razão. O estado de guerra é o estado de escravidão, de opressão, caso o indivíduo não possa exercer os seus direitos individuais (LOCKE, 1991. pp. 217- 224).
e) Segundo Hobbes, o pacto de união é realizado indivíduo x indivíduo (súditos) e não entre os indivíduos (súditos) e o Príncipe. O contrato é realizado entre os súditos individualmente e o soberano. O Estado nasce do contrato (HOBBES, 1983:. Pp. 85 e 108; BOBBIO, 1991. p. 41).
f) De acordo com Locke, o Pacto de Consentimento gera o contrato. Este representa a junção da racionalidade humana, tendo como finalidade a existência do Estado, dando proteção ao direito de liberdade, de igualdade e de propriedade (LOCKE, 1991. pp. 246-250; MELLO, 1982. p. 86).
g) Segundo Hobbes, a propriedade somente é possível através da garantia do estado civil. No estado de natureza o homem é egoísta, é lobo para o outro homem (HOBBES, 1983. pp. 74-77).
h) De acordo com Locke, a propriedade é conquistada através do trabalho, do esforço individual de cada um. Na terra existem espaços para todos os homens (LOCKE, 1991. pp. 227-233; MELLO, 1982. p. 85).
i) Segundo Hobbes, o Estado é a organização necessária para garantir a paz. Sem ele a humanidade permanecerá em estado de guerra contínuo (HOBBES, 1983. p. 103; BOBBIO, 1991. p. 78; REALE e ANTISERI, 1991, v. II. pp. 498-501).
j) De acordo com Locke, o Estado é criado pelos homens para melhor proteger a humanidade dos possíveis desentendimentos (LOCKE, 1991. pp. 249 e 254; REALE e ANTISERI, 1991, v. II. pp. 525-526).
l) A soberania, segundo Hobbes, é irrevogável porque o indivíduo é autor de tudo o que o soberano fizer. O contrato foi atribuído a um terceiro (o soberano); é absoluta e ilimitada porque os homens renunciam seus direitos individuais em favor do soberano e concedem a este a garantia irrevogável do poder. O poder é absoluto porque é irrevogável e representa a soma de todos os súditos; é único e indivisível porque a natureza da soberania não pode ser dividida, pois foi gerada no pacto de união e pelo contrato. Por ser irrevogável, também é indivisível. A soberania é fundamentada no instinto selvagem (HOBBES, 1983. pp. 107-113: BOBBIO, 1991. pp. 43-53, REALE e ANTISERI, 1991, v. II. pp. 498 e 525).
m) A soberania, de acordo com Locke, é revogável, pois a soberania nasceu da junção individual dos vários poderes executivos individuais, através do contrato e ao mesmo tempo da garantia da criação do Estado. A soma dos poderes executivos individuais gerou o poder legislativo que é a alma da soberania; é limitada e divisível em três poderes: legislativo, executivo e federativo da comunidade. A revogabilidade ocorrerá caso haja falta de lealdade entre os indivíduos. A divisibilidade da soberania é conseqüência da revogabilidade. A revogabilidade é fruto do exercício ilegal da soberania. A soberania é baseada na razão (LOCKE, 1991. pp. 249 e 271-274; BOBBIO, 1994. pp. 78-80).
n) Segundo Hobbes, deve haver apenas um príncipe que comande os poderes temporal (Estado) e espiritual (religião). A paz somente será possível se houver uma só pessoa que comande as espadas do Estado e todos os homens obedeçam ao Príncipe e se comportem como súditos (HOBBES, 1983. pp. 107-113, 129-136; BOBBIO, 1991. pp. 52-56).
o) De acordo com Locke, no Estado, a soberania é limitada nos três poderes. Os dirigentes dos poderes convivem harmoniosamente, respeitam e garantem a liberdade religiosa, política, econômica e social de todos os indivíduos. A paz é fruto do bom uso da razão e do legítimo exercício da liberdade. A direção do Estado é temporária porque o poder de dirigir emana do povo pelo voto livre (LOCKE, 1991. pp. 217-221; HOBBES, 1983. pp. 9-99; BOBBIO, 1991. pp 26-28; REALE e ANTISERI, 1991,v. II. p. 526; CAMPOS, 1985. pp. 66-70).
7. CONCLUSÃO.
O trabalho aqui apresentado significa uma tentativa de esclarecimento das concepções de absolutismo e de liberalismo que estão retratadas no Leviatã (de Hobbes) e no Segundo Tratado Sobre o Governo (de Locke). Os dois teóricos do contratualismo contribuíram significativamente para a História da humanidade criando normas necessárias ao convívio social. Nossa opinião, neste ensaio, é demonstrar que a verdadeira compreensão da política de Hobbes e de Locke fundamenta-se no indivíduo e nos fatos históricos que marcaram a História da Inglaterra no Século XVII (LOCKE, 1991. pp. 38-56).
Hobbes teorizou o Leviatã absolutista porque a Inglaterra estava mergulhada num estado de desmando, de confusões e convulsões. As causas principais da guerra podem ser claramente observadas nos conflitos religiosos, na posse dos bens, na falta de segurança e de legalidade entre o poder executivo e o parlamento. Todos sofriam o desmando. Hobbes teoriza o Leviatã como uma verdadeira Carta Magna a ser ensinada. Esta Carta Magna toma como base a experiência e a reflexão racional, criando mesmo uma verdadeira filosofia, um método bom e ordenado, não somente através do uso do poder da razão individual, mas principalmente envolvendo o homem que é obediente e temente a Deus. O Leviatã, além de uma grande obra política, é também uma obra de moral e de ensinamento religioso. Hobbes, a meu ver, não foi feliz ao defender que a soberania seja una, indivisível, ilimitada e irrevogável. Sua argumentação é convincente como argumentação, mas é contraditória em si mesma: a) defendeu que o indivíduo é anterior ao Estado, mas reprime-o em sua liberdade religiosa, obriga-o a obedecer totalmente ao Príncipe; b) afirmou que o homem é um ser sensível, dotado de razão e que o conhecimento é construído através da experiência e da reflexão, mas ao mesmo tempo submete este ser criativo, inventivo, a um mundo de natureza de puro egoísmo, de pura insensibilidade, parecendo apenas um mundo do instinto selvagem. Parece que ao defender o poder absoluto, a sua indivisibilidade e irrevogabilidade, Hobbes está de certa forma garantindo a Teoria do Direito Divino, pois chega a afirmar que o Soberano deverá governar de acordo com as leis de natureza e apenas prestar contas a Deus.
Locke, como bom leitor das diversas teorias absolutistas, profundo observador, cauteloso, ponderado religiosamente, prejudicado particularmente pelos desmandos absolutistas do século XVII, atacou as concepções absolutistas de seu tempo com uma cartilha de filosofia política que foi por ele construída para combater de vez a falta de liberdade e de igualdade entre os homens. O Segundo Tratado Sobre o Governo de Locke abriu os horizontes do século XVII, contornou a guerra civil inglesa e ofereceu à humanidade o ideal próspero de liberdade e de igualdade, não mais o jugo do servilismo, a obediência às espadas do Príncipe, a eqüidade como queria Hobbes, mas um novo tempo, uma nova ordem em que de fato o indivíduo tenha seu lugar garantido antes mesmo dos interesses do Estado (LOCKE, 1991. pp. 264-267; REALE e ANTISERI, 1991, v. II. pp. 525-526). Sua filosofia empirista e hedonista esclareceu a todos as noções verdadeiras do justo e do injusto, do certo e do errado, através de uma posição firme da razão. O Estado teorizado por Locke não o é por necessidade para salvar a liberdade humana, mas para ampliar ainda mais esta liberdade, livrando o indivíduo de alguns inconvenientes praticados por indivíduos abusados por falta de raciocínio. A liberdade e a igualdade, construídas sob os resultados racionais, conduzem os indivíduos na organização do Estado (LOCKE, 1991. pp. 220-221, 249-250, 254, 256-266). A soberania como alma do Estado é o resultado da soma dos poderes individuais (poderes executivos) de todos os homens (formando o Poder Legislativo, ou o poder supremo). Pelo fato de a soberania nascer e se garantir pela soma dos desejos dos indivíduos, então existe aqui a compreensão de que ela deva ser revogável, divisível e limitada. A irrevogabilidade é garantida até que o dever soberano seja cumprido. A divisibilidade é o resultado da limitação do poder: poder executivo meu, soma dos poderes executivos de todos nós (poder legislativo) e ainda poder federativo ou judiciário (tirado das manifestações de todos) para resolver as controvérsias, evitando que o indivíduo seja juiz de si mesmo e faça justiça por suas próprias mãos (LOCKE, 1991. pp. 253, 268-279).
REFERÊNCIAS
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II. AS ORIGENS DO TOTALITARISMO: TOTALITARISMO, O PAROXISMO DO PODER.
ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo: totalitarismo, o paroxismo do poder. Rio de Janeiro: Documentário, 1979. Trad. De Roberto Raposo.
Hannah Arendt, filósofa contemporânea, contribui de forma brilhante apresentando uma análise profunda sobre o Totalitarismo e em As origens do totalitarismo: totalitarismo, o paroxismo do poder trata especificamente das ações cruéis de Hitler e de Stálin, para exemplificar com maior segurança a doutrinação e o terror instalados no regime totalitário. A autora foi vítima deste sistema e portanto torna-se grande autoridade na questão.
Serão apresentados os principais argumentos da citada obra que tem quatro capítulos.
No Capítulo I: A sociedade sem classes é demonstrada em duas partes: i. as massas; ii. A aliança temporária entre a ralé e a elite. As massas são a base para a sustentação do totalitarismo que faz desaparecer as classes sociais. As massas não têm nenhuma autonomia e tornam-se atomizadas através da doutrinação interna do movimento totalitário. Vivendo com as massas ou no meio das massas, a elite e a ralé são também subjugadas à organização. A elite viveu a experiência da guerra. Queria o acesso à História mesmo que houvesse a própria destruição da História. A ralé tinha fascinação pelo gênio, pelo poder e pela fama. Ambas sabiam de que seriam as primeiras a serem eliminadas da estrutura do Estado-Nação e da sociedade de classes. Acreditavam de que no futuro se juntariam com o povo para fazer a revolução e conquistariam o poder.
No Capítulo II: O movimento totalitário é apresentado também em duas partes: i. A propaganda totalitária e ii. A organização totalitária.
A propaganda totalitária é sem dúvida a causa da dinâmica dos movimentos totalitários. Através da propaganda as massas são atraídas. A propaganda é a forma de passar uma ideologia e suas mentiras. A propaganda é usada para passar as mensagens para os que estão de fora do movimento (no exterior) e inteiramente usa-se a doutrinação. No caso do nazismo, imperou uma forte propaganda contra os judeus, eles eram o alvo do nazismo. O anti-semitismo passou a ser uma auto-definição e não mais uma opinião. O objetivo primeiro da propaganda é a organização e não a persuasão. Ela cria um mundo fictício que se opõe ao mundo real.
A organização totalitária cresce devido à forma organizada de se fazer a propaganda. No centro desta organização está o líder e em torno dele tudo gira. A cristalização do movimento se deve à força do líder como aconteceu com Hitler e Stalin. O líder pode ser mudado a qualquer momento. O que se afirma é apenas o lugar do líder e não a pessoa do líder. O líder é o centro do movimento. É o seu motor. Ele é a única pessoa que sabe o que está fazendo e não falha, inclusive a responsabilidade do todos os crimes.
Os movimentos totalitários não escondem onde querem chegar.
No Capítulo III: O totalitarismo no poder, Arendt qualifica mais o totalitarismo afirmando que o líder totalitário está diante de duas tarefas: garantir o mundo fictício que é instável e evitar que surja um novo mundo com estabilidade. No poder, o totalitarismo usa a administração do Estado para seu objetivo. Há longo prazo quer a conquista mundial. Este capítulo está dividido em três partes: i. o chamado Estado Totalitário; ii. A polícia secreta; iii. O domínio total.
O chamado Estado Totalitário é a instituição política que se organiza a partir da propaganda e da doutrinação, massificando as classes sociais. Para o Estado Totalitário existem duas autoridades: o Partido e o Estado. Uma é aparente e a outra é real. O Estado apresenta-se apenas como fachada. O povo não sabe a que autoridade deve obedecer. Ninguém tem certeza de quem são as ordens. Neste Estado, constantemente, multiplicam-se os órgãos para confundir a origem das ordens. Quanto maior for a organização menos se sabe dela. Não existe hierarquia aparente, embora tudo gire em torno de um líder temporário. O poder maior que investe o líder é a Polícia Secreta. Se os que lideram deixam vazar informações, imediatamente serão substituídos, daí a vulnerabilidade das lideranças.
A Polícia Secreta é o único órgão do poder. Seu objetivo é liquidar com qualquer forma organizada. Na polícia, distinguimos a polícia secreta despótica e a totalitária. A distinção das duas está no inimigo objetivo e no inimigo suspeito. Os inimigos objetivos são aqueles que o sistema tem em mente destruir, como foram os judeus e em seguida os poloneses. A polícia totalitária está atrelada ao líder e aguarda quem é o próximo inimigo em potencial. Como organização secreta, a polícia encarna a própria lei. Ela está para combater todos aqueles que pensam. A polícia secreta age nos campos de concentração, ali, pode-se dizer que é o lugar do terror.
O domínio total é o meio (a força) utilizado para aprisionar e exterminar multidões inteiras como se fosse um só indivíduo. Os campos de concentração, os campos de extermínio e os de terror apresentam a morte. Ali a vítima é destruída, começando pelo isolamento, a solidão. Nestes locais, o homem torna-se um ser supérfluo. Os campos de concentração podem ser vistos nas concepções ocidentais da vida após a morte, como são os exemplos do limbo, do purgatório e do inferno. O domínio total significa tirar do homem toda sua espontaneidade. É um processo que vai da destruição dos direitos civis do homem, matando nele o homem jurídico. Em seguida, mata-se o homem moral, procurando destruir sua identidade. A individualidade humana é destruída, tirando da pessoa a capacidade que ela tem de recomeçar algo novo. Finalizando, interessa mesmo matar o homem moral, destruindo sua identidade e espontaneidade.
No Capítulo IV: A Ideologia e o Terror representam praticamente a conclusão. O totalitarismo se diferencia do despotismo, da tirania e da ditadura. No poder, o totalitarismo destrói todas as tradições sociais legais do país. Massifica as classes sociais e impõe sobre a população uma ideologia através de forte propaganda ou doutrinação. O regime se organiza e se torna legal porque se ampara em leis, embora não cumpra estas leis, seguindo os ditames de um líder e criando estratégias do medo.
O poder total é expresso através da polícia secreta. Para o regime, as leis são leis de movimentos, aplicadas conforme suas necessidades. Não são respeitadas as leis positivas, mas sim o terror. O terror é legalizado para todos, sejam culpados ou inocentes.
O governo constitucional garante os novos nascimentos. No governo totalitário as leis positivas não valem. O terror elimina a pluralidade dos homens. A educação totalitária é dada ao homem de forma doutrinadora, visando fechá-lo, sem condições de agir. Implanta-se para o homem uma ideologia. A ideologia é a lógica de uma idéia que será aplicada a quem interessa. A dialética pode ser vista da seguinte forma: 1. o interesse do homem pelo movimento e em tordo do interesse ele age; 2. pela ideologia o homem se liberta de todas as suas amarras e não quer aprender mais nada, pois ele entra para um mundo fictício; 3. o totalitarismo usa o homem e o aplica pra os reais interesses do sistema, sacrificando o individual em favor do coletivo. A lógica é usada como força coletiva e de massificação. As fases mais duras são o isolamento e a solidão. O isolamento chega ao extremo quando o homem perde a vontade de criar, de agir. Não tem mais objetivo de viver. Mais difícil que o isolamento é a solidão que é a fase mais aguda do terror. O terror implanta no homem um enorme vazio e tira dele tudo o que ainda lhe resta: o querer pensar, agir, viver. O ser humano sente-se completamente perdido. Caminha no meio da grande massa, sem destino e com uma tremenda angústia. É o fim do mundo. É o fim da História. Não só para o homem que aos poucos morre, mas pela negação das possibilidades da espécie humana.
O FIM indica a chance de se obter um novo começo em que o homem pode novamente se abrir para a sua liberdade, para um novo nascimento. O novo nascimento é possível porque "O homem foi criado para que houvesse um começo" (Santo Agostinho, na Cidade de Deus, Livro 12, Cap. 20).
Afonso de Sousa Cavalcanti. Mestre em Filosofia (PUCCAMP) e Doutor em Educação, Administração e Comunicação (UNIMARCOS).
Adolf Hitler mereceu a condenação porque foi um ator cruel na História.
A análise feita nesta resenha de As origens do totalitarismo: totalitarismo, o paroxismo do poder, de Hannah Arendt, demonstra como um administrador público pode negar as possibilidades de fazer um governo legítimo. O bom governo nasce com o exercício correto da cidadania, com as verdadeiras aspirações de liberdade. O mau governo fecha os caminhos aos homens e mulheres de boa vontade que sempre buscam a liberdade e o poder. O poder é o verdadeiro instrumento do governo justo. É na luta de cada dia que o povo se organiza e cria o poder. Não é o governante que cria o poder, mas sim o povo que dá a ele sustentação.
Hitler não possuía o poder nos momentos em que mandou executar mais de 6.000.000 de judeus. Quando impôs a doutrinação e instalou o terror nos campos de concentração e extermínio. Ele usou a força e fez tudo de maneira secreta e violenta. Não governou, pois o ato de governar prescinde o querer de quem é governado. Usou brutalmente da força militar, massacrando não só os judeus, mas também os poloneses e alemães. Sua crueldade foi tanta que chegou mesmo ao extremo da imposição da ideologia nazista. A repressão pela pressão de uma arma engatilhada contra o sujeito é cruel. Neste ato, o sujeito reprimido pode dizer sim ou não, mas sabe dizer. Com a força da ideologia isto não acontece. O nazismo tentava convencer pela propaganda, depois pela doutrinação e por último o terror. O sujeito doutrinado deixa de ser livre e passa a ser alienado, atrelado ao sistema.
Acredita-se que a interpretação desta resenha demonstra bem que Hitler necessita ser mais uma vez condenado pelas barbaridades que praticou. Não merece de maneira nenhuma ter seu nome lembrado porque foi de fato um covarde.
Unidade V.
A ÉTICA NA PROFISSÃO E NO TRABALHO PÚBLICO.
Atividades:
1) Cite pelo menos duas profissões que constantemente assumem trabalho público. Explique com suas palavras, como estes profissionais podem ser leais.
2) Muita gente que presta serviço público, quando em funções de direção, não raras vezes aceitam propinas e percentagens valiosas sobre os serviços prestados, isto além de seus salários e gratificações. Exponha sua opinião a respeito desse fato.
3) Assiste-se constantemente em nosso país que apenas 11% de nossa população (entre 18 e 23 anos de idade) freqüenta cursos superiores. Muita gente se omite de estudar porque estudar, de fato, é difícil, é desgastante. O que você tem a comentar sobre a omissão, sobre a não preocupação em escolher bem a profissão?
4) Procure apresentar um exemplo de projeto moral individual bem sucedido. Podem ser de líderes mundiais ou regionais que se destacaram. Explique bem.
5) Conceitue moralidade legalizada, moralidade crítica, ética privada e ética pública. Cite exemplos.
Unidade V
A ÉTICA NA PROFISSÃO E NO TRABALHO PÚBLICO.
Um profissional não nasce feito. Apesar de alguns pensadores defenderem que o ser humano é portador de potencialidades inatas, da forma como ensinou Aristóteles, dizendo que algumas pessoas nascem com potencialidades diferenciadas, tais como: os dons para a música, a dança, a pintura, a escultura, o atletismo, o esporte etc., todos os indivíduos, portando dons diferenciados vieram de uma família, que por sua vez projetou e modelou o comportamento de seus filhos, conforme os valores cultivados. A família não tem o poder total para impedir a violência, o uso das drogas e a falta de solidariedade. Apesar de sua fragilidade, a família consegue organizar a primeira comunidade e depois atinge a milhares de criaturas. A família tem algumas tarefas que são próprias dela: a educação com amor e para o amor (NALINI, 1999. p. 130). Com esta educação, ela consegue: ensinar o respeito e afasta o egoísmo; demonstra o espírito da partilha dos bens excedentes; cultiva a compaixão pelos desvalidos e o interesse por todas as criaturas; incute a crença no transcendente. Não. A família não está para projetar nos filhos uma forma falsa de viver, um modo de se distrair e de rejeitar a verdadeira moral.
Vivendo para a família, o sujeito aprende a cultivar a moral comunitária. Tal moral induz o sujeito a sentir necessidade de buscar aperfeiçoamento para se tornar um bom profissional. Quem sabe, este atributo confira ao sujeito o título de operário padrão – aquele que consegue produzir mais mercadoria, com maior quantidade e melhor qualidade, gastando menos matéria-prima, consumindo menor quantidade de energia para produzi-la e ainda que tal mercadoria, além de cair na preferência dos consumidores, esta custe menos e evite agressões ao meio ambiente. Para ser este operário, é preciso preparar-se. "A inclusão do excluído, ou a inclusão do outro, precisam ser encaradas com seriedade. A aparente passividade dos miseráveis não pode confortar a consciência ética"(NALINI, 1999. p. 131). Sem preparo, sem busca de tecnologia (de saber fazer), de preceitos (saber participar com disciplina, respeito e dignidade), de sentimentos (implicando o cumprimento constante do dever), não haverá doação, o lançar-se ao mundo em busca do cumprimento de uma missão: a sua.
Os bons pensadores não se enganem em afirmar que todo aquele que se dedica ao estudo, tendo em vista a formação de cidadãos e ao desenvolvimento contínuo do profissionalismo, este consome seus dias em prol dos "marginalizados e pauperizados". Este contingente de pessoas – ao que muitos costumam chamar de massa – fica a mercê do controle do Estado. Para evitar a marginalidade, faz-se necessário que a sociedade civil tome as rédeas e exija que o Estado cumpra sua função. As várias profissões nascem das necessidades sociais e estas são bem ou mal sucedidas de acordo com a convivência encontrada no trabalho, no clube, na igreja, no sindicato e em centenas de outras repartições.
Por dissertar sobre trabalho, sobre profissionalismo, é preciso descrever a ética pública e a ética privada. Dependendo do encaminhamento profissional, encontram-se, ao mesmo tempo, sujeitos bem ou mal sucedidos em serviços públicos e privados. A boa prática das éticas pública e privada virá com o salto qualitativo – momento delicado este, em que a sociedade política brasileira estiver inteira e coesamente pronta para fiscalizar o trabalho dos governantes -, e as pessoas se libertem para a ordem, o amor e o progresso. O povo se torna o patrão do governo e confere a ele o pacto constitucional. A consciência despertada em cada cidadão, fará com que cada brasileiro sinta aversão à omissão: ao preparo profissional, à busca constante de técnicas, à reflexão com profunda análise sobre as causas da miséria, da pobreza e da falta de patriotismo. Nas idéias vindas do comentário jornalístico brasileiro pode-se ler: "Cada brasileiro deve ter consciência de que o governante está a seu serviço e não ele a serviço do governante, e de que é bom governante apenas aquele que tem como meta exclusive servir ao cidadão. Cada brasileiro vale individualmente, mais do que todos os políticos, pois todos os políticos têm a obrigação constitucional de servir-lhe, e só para isto foram eleitos ou escolhidos, em concursos, pra os cargos públicos" (MARTINS, 1997. pp. 1-3).
Da forma como expressou o jurista, os políticos são eleitos ou escolhidos para gerenciar o bem comum. Da mesma forma, todos os profissionais ou servidores, – independentes de cargo ou função – estão a serviço de todos os que deles servem. Aqueles que se tornam servidores são submetidos à moralidade crítica ou à moralidade legalizada. Quando a ação do sujeito ainda n ao foi incorporada ao direito positivo, mas garante critério à norma positiva, é chamada de moralidade crítica. Quando a função do sujeito já é incorporada ao direito positivo, acontece ali a moralidade legalizada ou positivada (NALINI, 1999. pp. 103-104). Os que vivem a ética pública, estes seguem critérios e se deixam guiar por orientações que organizam a vida social e ao mesmo tempo, estes procuram alcançar a virtude, a felicidade, o bem, e até mesmo a salvação, elevando-se sempre na busca livre de sua ética privada. Em outras palavras: para ser professor, juiz, bancário, pastor e tantas outras funções sociais, tais servidores passarão pelo processo de busca do conhecimento. Estes estarão conscientes de suas responsabilidades públicas. Ao mesmo tempo em que cada um destes sujeitos cumpre sua missão, este pode encontrar a sua felicidade: ao que agora chamamos de ética privada. A ética privada está no plano da realização individual.
A moralidade legalizada ou positivada tem sido sofrida, desgastada em nosso país. A corrupção é quase que generalizada e é vista a olhos nus por todos aqueles que procuram levar vantagem sobre o que administram. Crê-se então que se o sujeito exerce com profissionalismo a moralidade legalizada, este pode muito bem estar realizando a ética pública. Acontecerá de fato e de direito a ética pública, no momento em que o sujeito que administra o bem público, este honradamente alcançar a ética privada, ou seja, tenha cumprido o seu dever.
Para atingir melhor o raciocínio, acredita-se que é necessário aprofundar o conhecimento sobre o projeto moral individual. "O projeto moral individual, se n ao ostentar a condição de fruto da autonomia e não revestir o requisito da universalidade, não poderá ser considerado como integrante da moralidade privada. Se a moralidade privada coincide sempre com os interesses de seu titular, haverá grandes motivos de suspeita de que esta pessoa carece de moralidade" (NALINI, 1999. pp. 165-166). Tal projeto exige que o sujeito forme sua consciência e possivelmente consiga enxergar com profundidade o pluralismo ideológico, a tolerância, a liberdade individual e coletiva. Desta forma, não importa a profissão assumida ou a simples função que ocupa temporariamente, importa sim saber lidar com calma com as intransigências, com as intolerâncias, com os radicalismos. A presença de espírito fará surgir a humildade intelectual e abrirá o coração para os semelhantes mais difíceis e intoleráveis.
O leitor deste texto poderá fazer a seguinte reflexão: enquanto leio o texto, faço-o por prazer de ler ou por necessidade de conhecer a matéria. De uma ou de outra forma, este se apropria do conhecimento e pode melhorar sua vida. Aqueles que lêem bastante, o fazem por hábito e por exigência de sua consciência – conhecer é uma tarefa necessária para eles. No caso de nossos estudantes que buscam o conhecimento e o diploma, estes visam uma garantia vital. Assim agindo, atingem a moralidade legalizada e até mesmo poderão praticar a ética pública e no futuro, quem sabe, serão exemplares servidores. Muitos correrão o risco de não atingir a ética privada porque não se incomodaram com sua reta consciência, com seu bem (a felicidade que é o princípio de finalidade do homem).
Na qualidade de escritor deste texto, afirmo sem medo de errar que quem administra um bem público ou privado, deva assumir com responsabilidade a moralidade positivada no contrato de trabalho ou outra forma de indicação ou concurso público, de forma a não trair sua consciência moral, tendo que apelar para alguns meios ilícitos – diuturnamente utilizados – e que fazem parte da prática corrupta da administração pública no Brasil.
CONCLUSÃO
A consciência moral de todas as pessoas que formam uma comunidade representa o senso moral. O sujeito moral é o resultado da vivência da moralidade, da felicidade, da reciprocidade e da solidariedade de uma comunidade. O sujeito moral transforma-se em sujeito ético na medida em que este cria os seus juízos éticos de valor. Os juízos éticos de valor são mais favoráveis nos agrupamentos humanos homogêneos. Os juízos de valor indicam que o bem gera a felicidade e o mal produz o desconforto espiritual e material. O bem e o mal são criados pelos sujeitos morais. Os sujeitos éticos moldam sua cultura de forma a facilitar a todos a tecnologia, os preceitos e os sentimentos. Na medida em que os sujeitos definem os valores, estes criam sua consciência moral. Através do exercício dos desejos e da vontade, percebemos que os sujeitos cultivam ou deixam de cultivar a liberdade. Ser livre é uma questão de exercício da vontade. Ser escravo é definir-se pelos desejos. Para ser mais claro: o desejo representa apenas o exercício das almas vegetativa e sensitiva, ao passo que a vontade é o resultado do bom uso dos desejos, sob o controle da razão. O sujeito ético torna-se sujeito ativo e pratica a moral autônoma, ao passo que o sujeito moral, muitas vezes, levado por desejos de seu grupo, age de forma heterônoma. Através da vivência ética, os homens criam sua cultura, transformam a sociedade e se deixam mover por fortes imperativos do dever ser, afastando-se do crime, da violência, dos vícios e dos males em geral. A vivência ética tem o seu dever ser nas virtudes.
A vida com equilíbrio moral garante aos homens funções importantes, tais como: bom comportamento, equilíbrio entre todos os indivíduos e igualdade social. O pluralismo ético é saudável, se os homens cultivarem a tolerância. A tolerância é a arte de viver com reciprocidade e solidariedade. A reciprocidade consiste na troca de favores. Os homens, naturalmente, tendem a realizar-se na medida em que se doam, amam-se e consomem os seus dias em favor dos outros homens. A solidariedade é um meio que os homens possuem para refrear os seus desejos, o seu egoísmo. Na medida em que o sujeito cuida de si mesmo, investindo em si para melhorar suas qualidades em favor dos outros, este está praticando a cura. A cura está no uso do bom senso: saber distinguir o bem e o mal e saber usar o bem e evitar o mal.
Para finalizar, pode-se pensar que as pessoas ocupadas com o saber fazer ("Know How"), com a aquisição e cumprimento de normas e preceitos, com a vivência diária baseada nos sentimentos que nascem da alma, estas alcançam o prazer de viver. O mundo da ganância, da malícia, da inveja, do infortúnio, este ampara as pessoas vazias e que não aprenderam a raciocinar, a celebrar a paz, a cultivar o perdão, a florescer o amor. Para ser breve, o sujeito ético é aquele que escuta e dialoga porque goza da humildade intelectual.
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