Crônicas de Edson Tavares - Vai fundo José

Vai fundo José

Já ia avançada a quinta-feira quando eu voltava do banco.
Acabara de depositar meu décimo terceiro e o PPL. Era costume da empresa dividir entre os funcionários um extra referente aos lucros alcançados. E esse havia sido um bom ano.
Vidros fechados. Ar ligado. Lá fora o calor era insuportável.
As férias estavam chegando e as passagens para o nordeste já estavam compradas. Seria uma nova lua-de-mel, pois meus filhos preferiram dar uma esticadinha até a Disney.
Estranho tudo isso. Eles não queriam mais sair conosco.
− É assim mesmo! – dizia minha esposa.
Mas eu não havia ainda me adaptado a tudo isso. Minha filhinha linda não queria mais um beijo de despedida.
− É o maior mico, pai. – dizia.
Levá-la até o pátio do colégio um “KING KONG”.
Então eu a deixava ao longe e observava quando entrava faceira já com o celular tocando.
Leonardo, já com dezessete, namorando. Luana tinha um grande dragão tatuado no braço direito e uma borboleta no tornozelo esquerdo. “Esquisita” essa menina – eu pensava. O que será que ele viu nela?
Precisava voltar rapidamente à empresa. Acho que naquele dia não tive tempo para respirar. Dr. Clóvis havia chegado de São Paulo e cobrava tudo de todo mundo. Mas não me saia da cabeça a imagem daquele rapaz cabisbaixo que passara por mim quando voltara do almoço.
José. Zé. – assim o chamei.
Parecia tão triste. Olhar perdido, passos lentos, sem rumo.
Compadeci-me de José. Imaginei que estivesse desempregado. Talvez doente. Quantas amarguras em sua alma.
− Mundo injusto. – deixei escapar.
Como sobreviver sem um trabalho honesto? Como estudar, pagar as contas, viver dignamente? O que esperar do futuro?
Senti o rosto queimando. “Ta tudo errado”. Uns com tanto e outros nada...
Talvez estivesse indignado. Mensalão, dólar na cueca, malas de dinheiro. “O público e o privado” havia se misturado. Para alguns, naturalmente. Quanto custa cada míssel americano detonado no Iraque?
Acompanhei José caminhando lentamente ao redor da praça. Então, sentou-se debaixo de um ipê florido. Mãos nos joelhos, olhos fechados, cabeça baixa.
Meu coração disparou.
− Como pode, meu Deus! – pensei.
Mesmo na fila do banco José não saia da minha cabeça. Aquele cheque queimava em minhas mãos. Era meu salário. Era justo. Dinheiro honesto. Mas eu me sentia mal.
Imaginei que todos somos de alguma maneira responsáveis. Que deveríamos mudar essa realidade. Eleger pessoas com maior compromisso com tantos José’s desse País. E se ele estiver precisando de algum medicamento?
Ao menos escolhera uma sombra fresca na Praça da Igreja para digerir sua tristeza.
Agora que já havia feito meus investimentos, cheio de remorsos eu procurava ansiosamente por José. Desliguei o ar, abri os vidros e olhava atentamente pela janela.
Então, eu o vi levantar-se. Estendeu a mão e apanhou uma flor.
Ao longe, correndo, uma linda jovem se aproximava.
Saltou-lhe no pescoço e o beijou longamente. E rolaram pela grama.
“Vai fundo José”. – pensei e sorri.

Edson Tavares

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