Contos de Braz Miranda de Sá - O Menino do Lixão.

O Menino do Lixão.                                         

            Catando lixo reaproveitável no meio de tantos dejetos, o garoto dialogava com alguém ao seu lado.
- Pai, para que serve tudo isso que vendemos para a Cooperativa?
- Para ser novamente transformado em matéria prima. Já pensou, meu filho, se não há quem ajunte essas coisas, o meio ambiente vai sendo prejudicado com a poluição, porque botam fogo em tudo, fazendo aumentar o calor atmosférico que pode até causar o desaparecimento da camada de ozônio, que protege a Terra. 
- É, pai?
- Você sabia que a camada de ozônio filtra a radiação ultravioleta nociva do sol, que pode causar câncer de pele, além de prejudicar as plantas?
- Não,  mas  já ouvi falar que o lixão polui as águas, é verdade?
- Sim, pois a enxurrada leva os detritos para os rios, e tudo fica muito sujo. Tem mais, o desmatamento, em função do povoamento, e a ocupação de algumas áreas ocasionam um desequilíbrio nesse sistema, resultando em maior escoamento superficial das águas, maior erosão do solo.
- Lá na escola, ouvi alguma coisa sobre resíduos urbanos, o que é isso?
- Pois bem, chama-se lixo ou resíduos sólidos urbanos, os restos produzidos cada vez mais e em quantidade maior. À medida que a população cresce, o homem cria novos produtos para aumentar o sistema de consumo, gerando uma situação de concorrência, estabelecida por uma educação inconseqüente, nas mãos de uma classe dominante, onde ter mais é ser mais.
- Puxa, como o senhor é...
- É por isso que há esta montanha de lixo, onde estamos catando  as coisas. Ainda bem que podemos tirar daqui o nosso sustento.
- Mas isto não está certo, porque se o povo separasse tudo, nós poderíamos buscar o material nas suas casas.
- É, as pessoas não se conscientizaram ainda de que seria mais fácil este trabalho, tanto para elas, como para nós.
- Aqui, ajuntamos papel, papelão, plástico e borracha, mas o senhor está vendo quanto material de construção poderia ser utilizado para outras coisas?
- Filho, no interior, nos campos, nas fazendas, em grande parte a lenha foi substituída por gás engarrafado que já está nos mais variados rincões, dada à limpeza e à facilidade de uso; em termos quantitativos são as cidades que estão, cada vez mais, comprometidas com esses resíduos, tais como: ferro, trapo, couro, vidro, madeira, metais não ferrosos, e esses que você citou.
-         E...
- Veja também, quanta matéria orgânica que apodrece rapidamente: restos de comida, incluindo frutas, legumes, verduras...
- Pai, olhe ali, que bonito os urubus descendo, bem pertinho de nós, para comer esses restos de carne podre! Eu queria ter asas para voar bem alto, longe deste lixão. Todos os dias estou aqui e não sei como será o meu futuro – disse tristemente.
- Um dia vai dar certo, tenha fé em Deus!
- Tenho certeza que um dia irei voar daqui; sinto isso, mas tenho pena de deixar o senhor sozinho...
- Deixe de pensar nessas coisas. Vamos continuar nosso papo que está muito bom. Pelo que se pode sentir, há urgência na implantação de um sistema eficiente. É preciso tentar uma solução imediata e definitiva para o problema: uma educação ambiental correta, uma ação imediata no sentido de planejar e desenvolver um trabalho voltado para a separação, reciclagem e reaproveitamento do lixo em sua quase totalidade.
- Puxa, pai, como o senhor sabe das coisas!
- Hoje estou aqui catando lixo, porque estou desempregado, mas já estudei até o Segundo Grau e já li muitas coisas sobre isso, inclusive nos livros que achei aqui no lixão. É, filho, o que é lixo para uns, é riqueza para outros. A cultura, para quem não sabe fazer bom uso, não passa de lixo.
- Sabe, acho que há necessidade de se tomar medidas urgentes para a solução dos problemas causados pelo lixo, pois não há como negar a grande ameaça para o futuro; e isso, só o homem, criador deste caos, pode propor soluções.
- Até que enfim você deu uma boa sugestão, que legal!
- Pai, a sobrevivência da humanidade está na dependência da criação de uma nova mentalidade ambiental, onde toda a sociedade, através da responsabilidade e do compromisso de cada um,  possa participar na preservação do que ainda não foi atingido.
- Está pensando bem, filho, mas onde você viu isso?
- Ali, naquele pedaço de livro jogado; li numa das páginas.
- Pois bem, até as boas idéias são jogadas no lixo, que pena! Sabe, isso só poderá ser feito com investimento na educação, quando as escolas começarem a conscientizar os alunos da sua capacidade, para que cada um contribua para não continuar degradando o meio ambiente e, ao mesmo tempo,  recuperar o que as gerações passadas e presente já destruíram.
- Pai, mas nós já começamos a fazer a nossa parte, separando o lixo para a reciclagem, não é mesmo?
Em meio a esse papo tão sério, os urubus, indiferentes, chegavam e saíam, buscando o espaço azul dos céus, numa grande altura.
A tarde ia fugindo no horizonte, quando pai e filho voltaram para casa, com fome e um carrinho cheio de material reaproveitável.
O garoto, à noite, queixou-se de dor de cabeça, ardendo em febre.
No dia seguinte, o pai o levou ao hospital. Havia contraído a dengue.
Dias depois o menino voou mais alto que os urubus, além dos céus, muito além, longe do lixão.  

Braz Miranda de Sá

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