Artigos de Edson Tavares - Bioética e Biotecnologia

Senhor Presidente, Dr. Fahed. Prezados confrades. Amigos aqui presentes...

É com grande satisfação e também com incomensurável responsabilidade que apresento este tema para discussão. Caro confrade Leonardo  Prota, perdoe-me a ousadia em abordar o assunto que a pouco tempo o assistimos tão profundamente apresentar.
Tentarei discorrer particularmente com os olhos voltados para as questões relacionadas ao Projeto Genoma humano e suas relações práticas com a sociedade.
Em momentos históricos anteriores tivemos como assuntos predominantes ideologias, guerras, poder econômico, religião, movimentos políticos e sociais. Mas este naturalmente é o momento da biotecnologia. A expectativa humana em alcançar qualidade de vida superior e longevidade que tendesse ao eterno alavancou  a pesquisa, suportada por forte incentivo do capital e da mídia.
Desde o início das grandes revoluções científicas do século XX a bioética esteve presente. Perder a luta por corações e mentes poderia inviabilizar o progresso da ciência. Aproximadamente 3% dos valores investidos foram direcionados à bioética que buscava manter-se laica, embora em  seus primórdios fosse fortemente influenciada pelo pensamento religioso.
A bioética surge da necessidade de se posicionar diante dos avanços ocorridos dentro dos laboratórios e saber se posicionar e, eventualmente, influir nos rumos deste processos irreversível.
Naturalmente, nenhuma ciência sozinha é capaz de um  diagnóstico adequado, assim como nenhuma ciência é capaz de encontrar solução para problemas tão novos e tão complexos...
Se a liberdade religiosa e o pluralismo
democratizou o pensamento, também pulverizou as tendências e nos conduziu a uma inusitada ausência de denominador comum. Existe uma evidente incapacidade de manter um ponto de vista por tempo suficiente para que possa influenciar a condução sistemática  de qualquer política de planejamento de investimentos. A volatilidade das idéias deixa a humanidade em uma situação de tensão jamais experimentada.
Para responder aos desafios de uma sociedade pluralista, só mesmo uma ética que transcenda as denominações religiosas e se projete na área civil. Assim, o conselho Federal de medicina e inúmeras universidades, além da Sociedade Brasileira de Bioética fundada em 1995 e que hoje possui mais de 400 membros são a face da bioética em nosso País. Congressos internacionais reúnem pesquisadores de inúmeros países e a literatura sobre o assunto aumenta consideravelmente.
  O bom senso se impõe para evitar o entusiasmo ingênuo e o temor doentio. Desde a antigüidade a medicina nos fascinava. Era praticada pelos iniciados. Vestia a túnica dos semideuses. Possuía uma auréola misteriosa. Mas a evolução das ciências provocou a sua dessacralização.
Ainda a pouco não tínhamos microscópio, anestesia e antibióticos. Começamos a voar a pouco mais de cem anos. Construímos automóveis, edifícios, computadores, o telefone, a televisão e o rádio, a internet... Fomos à Lua e nos aventuramos nas profundezas do mar. Eu ainda nem tinha aprendido a usar o videocassete e já me trouxeram um aparelho de DVD. Foi então que descobri que o shopping Center é aquele lugar onde encontro um monte de coisas que precisava e nem sabia...
Como sobreviver num mundo desses?
Mas tudo isso precisa ser observado pelo prisma dos grandes empreendimentos do século: O projeto Apollo, o Projeto Manhattan e o Projeto Genoma Humano.
E=mc2 nos cálculos de Albert Einsten eram difíceis de entender. Matéria que se torna energia quando acelerada ao quadrado da velocidade da luz parecia inconcebível. Havia o conhecimento. Faltava a tecnologia. Um investimento fabuloso, quinhentas mil pessoas e 10 prêmios Nobel tornaram o projeto viável em função do interesse político precipitado pela ideologia e pela II Guerra Mundial. Hiroshima e Nagasaki provaram ser verdadeira a teoria de Einsten.
Descobrimos que não se desfaz conhecimento. Desfaz-se a bomba. Mas podemos voltar a construí-la. Rejeitamos a bomba mas não imaginamos o mundo sem a energia elétrica gerada pelo átomo. E ainda não sabemos o que fazer com os resíduos radioativos.
A lua dos poetas nunca mais foi a mesma desde que Armstrong e Aldrin desembarcaram em sua superfície em 1969. Vinte e dois bilhões de dólares, doze mil empresas e quatrocentas mil pessoas tornaram o passeio possível. E tudo motivado pelos motivos pouco nobre da Guerra Fria. Conseguir acoplamento de módulos espaciais voando a mais de vinte mil quilômetros por hora somente foi possível com desenvolvimento de grande tecnologia.
E muito desse conhecimento alcançou a sociedade em geral. Mas demonstrou claramente que “Conhecimento é Poder”.  Não importa se obtido por pesquisas ou por espionagem.
Novos conhecimentos trazem grandes dúvidas. Mudanças provocam instabilidades.
A tecnologia desenvolvida nos projetos Apollo e Manhattan possibilitaram o desenvolvimento do Projeto Genoma Humano. Existiam dificuldades ideológicas, econômicas e, principalmente, técnicas.
No início dos anos 80 foi fundado o Centro de Polimorfismo Humano que visava decifrar o genoma humano para localizar genes defeituosos, responsáveis por cerca de 5.000 doenças de cunho genético.
O fascínio que a combinação de apenas quatro bases químicas exerceu sobre a comunidade científica foi desde o início o Santo Graal do final do século. Vinte e três pares de cromossomos, contendo 30.000 genes pareciam controlar toda a atividade orgânica. O domínio que esses 3 bilhões de pares de bases exerceu sobre os investimentos foi exponencialmente aumentado quando a tecnologia demonstrou poder suprir a necessidade dos pesquisadores. Adenina, Timina, Citocina e Guanina são capazes de se combinar aos pares em todos os seres vivos e gerar toda espécie de ser vivo existente.
Franceses iniciaram suas pesquisas e disponibilizaram os resultados inicias. Doaram o resultado de dois mil sequenciamentos à UNESCO em 1992. Os americanos receberam um financiamento inicial de duzentos milhões de dólares do governo. O suficiente para alguns quilômetros de pavimentação asfáltica. O valor foi posteriormente aumentado para 53 bilhões de dólares quando os resultados se mostraram promissores. Investimento Estatal. A iniciativa privada não tardou a participar do processo. Franceses contra a patente do genoma humano. Americanos argumentavam que ninguém investiria tamanho esforço e capital por filantropia. E surgia a grande questão: A patente é natural ou antiética? Cientistas não são seres abstratos ou neutros. Nascem e vivem dentro de um contexto político, cultural e religioso. O poder político e econômico reconhece o poder do conhecimento aplicado e investe, naturalmente, visando lucro.
Inúmeros países acabaram se unindo no projeto de sequenciamento do genoma humano. Inclusive o Brasil.
O Projeto Genoma gerou um banco de dados que precisa ser processado. Calcula-se que serão necessários ao menos 30 anos para  que isso seja possível utilizando-se a tecnologia atual. Entender como os genes se comportam, quais suas funções e sua relação com as proteínas ainda é um grande mistério.
A manipulação genética sempre foi empreendida pela humanidade. Quando selecionava pares de animais para o acasalamento, quando fazia enxertos entre diferentes espécies vegetais, quando fazia cruzamentos e gerava raças diferentes de cães, cavalos e bovinos ou quando direcionava os casamentos entre os jovens.
Até mesmo a clonagem vem sendo utilizada a centenas de anos. Eu mesmo faço isso lá em casa. Desde que me casei tenho plantado mandioca no quintal e o produto é sempre geneticamente idêntico ao anterior. É possível fazer uma grande plantação de Eucalipto ou banana por essa técnica.
Mas nunca tivemos tamanho poder. Agora agimos diretamente sobre o DNA. Imaginamos o Dr. Mengele num campo de concentração Nazista, um Frankestein qualquer fruto da mente doentia de algum cientista maluco. Três olhos, braços ou pernas, talvez um par de chifres.... Epa!
Mas a verdade é que também nos assustamos com o primeiro bebê de proveta. E até hoje ninguém criou um exército de bebês selecionados e o método convencional de concepção continua agradando muito mais. Estamos, sim, anestesiados e pouco preocupados com a inimaginável quantidade de embriões congelados. O que fazer com eles? Dez ou doze óvulos fertilizados “in Vitro” gerando trigêmeos fazem a alegria do casal e da Mídia. Mas é pouco provável que a mãe queira gerar outros nove filhos. Seria Aborto eliminá-los? Aborto não é a interrupção da gravidez? Existe gravidez em tubo de ensaio? Quando começa a gravidez? Após a nidação? Então posso utilizar o DIU ou a pílula do dia seguinte. Após a fertilização? Então a própria natureza aborta cerca de 30 a 50% dos óvulos fecundados espontaneamente. Isso cria, naturalmente, um dilema filosófico.
Sabemos que o ser humano não pode se dividir. Mas existe divisão até mesmo após os 15 dias após a fecundação, fato que ocorre após a implantação do óvulo. Este fato origina os gêmeos univitelínicos: verdadeiros clones gerados espontaneamente. Mas jamais serão iguais. Influências particulares os farão criaturas únicas.
Uma grande questão pode dominar os debates. A partir de que momento aquele novo ser é realmente humano? Adotamos a animação imediata ou progressiva. Aristóteles dizia que na fecundação; Hipócrates dizia que aos 30 dias para os homens e 42 dias para as mulheres; Santo Tomas de Aquino, 90 dias. A Igreja jamais firmou um dogma, embora em sua postura tenha manifestado apoio à idéia da animação no momento da fecundação.
Pacientes internados e com comprovada morte cerebral são considerados mortos e podem Ter os aparelhos desligados e os órgãos retirados para transplante. Bebês anencéfalos são mantidos durante toda a gravidez, mesmo diante da certeza da morte após o parto. Questões legais tem norteado a discussão muito mais que as éticas.
A alguns anos havia uma grande preocupação com a explosão demográfica. Hoje Alguns países incentivam a gravidez em função do baixo índice de nascimentos. Cirurgias para reversão da laqueadura ou vasectomia em função de novos relacionamentos invadem os consultórios. Antigamente buscava-se a adoção.  Hoje se procura uma solução que satisfaça seus desejos.
A reprodução assistida gera resultados inferiores a 30%. Além disso apresenta altos custos, aumenta a ansiedade dos casais, apresenta dificuldades técnicas e envolve fatores psicológicos e emocionais. E parece que a única discussão dos pais é exclusivamente: “Resolve?” Não há mais discussão ética.
E o que dizer das mães de aluguel? O teste de paternidade diria não ser a mãe do ser que acaba de gerar.
Bancos de Sêmen geram uma infinidade de filhos sem pais. Os doadores são anônimos. Existe o risco de se jogar com a sorte. Além disso alguns desses filhos tem exigido judicialmente o direito de conhecer seu progenitor. Ou encontrado uma dezena de irmãos pela internet.
Imaginamos a clonagem de células adultas como uma reserva de células tronco capazes de gerar todo e qualquer órgão ou tecido que apresente problemas. Uma espécie de autopeças médico.
O DNA seria transposto para o núcleo vazio de um óvulo. Tal como aconteceu com a ovelha Dolly. Tão surpreendente e tão triste e precocemente envelhecida. Mas o DNA mitocondrial denuncia: não são iguais. Jamais seriam. Mas geraria tecidos que não seriam rejeitados pelo clone. Mas isso seria ético? Seria legal fazer experimentação com seres humanos?
Permitir a um casal que possui uma filha com síndrome de Reti selecionar um espermatozóide Y poderia ser considerado uma medida prudente e desejável.
Embora o real entendimento das informações geradas pelo sequenciamento do DNA possa ainda demorar muito, as expectativas são grandiosas. A produção de vacinas e órgãos para transplantes, a cura para o câncer e a regeneração de membros amputados ou deficientes.
A vitória sobre a morte!
Alquimistas e toda sorte de místicos já tentaram desde todo o sempre. O assunto não é novo. Faz parte do ser Homem. Poderíamos reviver espécies extintas ao encontrar DNA preservado. Isso pode nos redimir de graves erros do passado. Mas também devemos pensar se não deveríamos eliminar o vírus da Varíola que se encontra cultivado em apenas alguns laboratórios americanos e russos. Antes que se tornem armas biológicas.
Talvez medo maior se relacione ao fato de que empresas possam rejeitar candidatos que apresentem tendência hereditária a determinadas doenças; que planos de saúde descredenciem outros. Isso já se faz a muito tempo pelo histórico pessoal, tipo sanguíneo, origem..
Quase meio milhão de cérebros de ovelhas eram necessários para produzir hormônio para o tratamento de nanismo ou gigantismo. Hoje alguns poucos litros de bactérias geneticamente modificadas são mais eficientes. Também para a produção do interferon e o tratamento do câncer e rejeição a transplantes a bactéria Escherichia coli modificada é utilizada. A Insulina era produzida através de pâncreas de suínos e bovinos. Hoje algumas bactérias fazem todo o trabalho.
Essa transferência de partes do DNA entre espécies diferentes pode provocar acaloradas discussões. Uma cobra venenosa que pudesse voar seria uma temeridade. Mas uma ovelha que produzisse um fígado compatível com o humano seria uma alegria. Bio-sensores capazes poderiam encontrar e eliminar poluentes.
Nós nos preocupamos com a soja transgênica e discutimos suas possíveis conseqüências. Mas a estamos consumindo a muito tempo. Assim como nos preocupamos com a pílula anticoncepcional quando apresentada. O verdadeiro debate, no entanto, não está sendo instituído. Brasileiros também produziram alimentos transgênicos. Mas o centro está na soja. Não se reproduz na Segunda geração e, portanto precisa ser comprada a cada ano, podendo ser utilizada com um específico herbicida. Monopólio. Nem americanos nem a mídia apresenta a questão como tal. Uns dizem preocupar-se com a fome no mundo outros dizem preocupar-se com a contaminação genética do meio ambiente. Ambos tentam manipular a opinião pública.
A verdade é que as mesmas mãos que fizeram a lâmpada também fizeram a cadeira elétrica (Tomas Edison). As mesmas mãos que plantam flores produzem armas. O mesmo Urânio que produz energia produz a bomba atômica. Já fizemos guerras para manter o direito de traficar o Ópio aos chineses e para garantir o direito de traficar escravos. Já queimamos bruxas e condenamos Galileu. Negros africanos já escravizaram Judeus que se consideravam escolhidos por Deus, foram mortos por nazistas e que hoje oprimem Palestinos. Convertemos gentios pela fé ou pela espada....
Para o bem ou para o mal somos humanos. E em nossas mãos está nosso futuro!

Palestra sobre Bioética e Biotecnologia - proferida pelo Acadêmico Edson Tavares em 01 de Maio de 2011 em reunião da Academia !

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