Crônicas de Edson Tavares - CASA DA SOGRA

CASA DA SOGRA

         João Ubaldo soltava um sorrisinho amarelo quando seu velho pai, agora com mais de oitenta, lhe chamava a atenção para as gracinhas de Aninha. A menina em seus terríveis dois aninhos tentava pedalar seu triciclo por entre os móveis e vez por outra passava em frente da televisão.
         Não conseguia livrar-se da raiva que sentia desde o momento em que sua filha, em pleno domingo, vinha almoçar em sua casa e trazia o folgado Genivaldo, seu genro.
         Ficava imaginando a hora de se deliciar com uma tesoura em seus fartos cabelos enquanto dormia em pleno sofá da sala. E todo mundo se acomodava pelo tapete com algumas poucas almofadas.
         E o desgraçado nem mesmo tirava os sapatos.
         Não fosse o bastante, seu Flamengo perdia por dois a zero do Fogão.
         Marilúcia, sua esposa, praguejava na cozinha o leite derramado enquanto socorria Suzana, histérica ao descobrir que queimara o lindo vestidinho rosa da pequena filha.
         __ Na trave! - inconformado berra o Galvão Bueno quando Loco Abreu erra o pênalti em uma fatídica cavadinha.
         Era mesmo demais... Que mais lhe faltava?
         Agora o Vô Antônio botava os pezinhos de Aninha nos pedais e ensinava pacientemente os movimentos.
E sorria...
         “Acho que papai realmente está ficando velho - pensava. É triste ver como as pessoas mudam. Nem parece que até a pouco tempo ainda se levantava cedo e corria pro mercado comigo... Que se preocupava em fechar torneiras gotejantes e apagar luzes em quartos desocupados. Nem mesmo me faz ouvir aquelas histórias de caçadas e casas mal-assombradas”.
         E pensar que a mais de trinta anos estava ali, no batente, cuidando de tudo e de todos.
...
Sequer tivera a sorte de fazer um filho homem - eram três meninas “difíceis e inconseqüentes”, que não sabiam nada da vida!
         “Nada como o tempo - pensava. - No final ainda digo: Bem que eu avisei!”
         ___ E é Gooooooool do Botafogo .....
         Três a zero.                                
         Agora que tudo já estava mesmo consumado não adiantava reclamar. E foi o que João fez: resignou-se após nada menos que duas horas do final do jogo.
         Difícil mesmo era agüentar olhar para a cara do infeliz Genivaldo envolto em seu ócio como se o mundo fosse acabar em sofá.
         “Mas é mesmo um descarado. Não custa nada levantar e ainda pegar o meu carro para sair” - pensava.
         ___ Paiêêêê ..... - gritou lá da rua a bela Lúcia, sua segunda filha, arrastando uma pesada bolsa de viagem.
         Apressadamente João Ubaldo se levantou, correndo receber aquela em quem agora depositava todas as suas esperanças. A menina preparava-se para o vestibular da UEL, mas torrava cada níquel que ganhava. Ainda assim valia a pena. (E já se imaginava na formatura da filha recebendo o canudo de Engenharia).
         Quando chegou ao portão acompanhado por não menos de dez pessoas franziu a testa assustado ao perceber outras três.
         __ Este é Fernando... Esta é a Priscila... E este o Augusto, meu namorado! Eles vieram para passar uns dias com a gente...
         O pobre coitado ameaçava um enfarte. Abraçado com a filha cochichou em seu ouvido - “Não precisava trazer tanta mala, bastava a bolsa!”
         Agora a festa generalizava. Eram abraços e cumprimentos infindáveis e um monte de bagagem para carregar.
         Não precisou muito tempo para que o mais novo candidato a genro estivesse usando seus chinelos após o banho. E só agora pudera observar o brinquinho que o rapaz usava na orelha esquerda.
         __ Isto é demais. Esta menina deve estar fazendo muita festa lá em Londrina e eu já estou vendo tudo... Estudar que é bom, nada. E ainda mais trazendo esse monte de gente. Deve estar pensando que minha casa é hotel. - reclamava reservadamente com sua esposa.
         Quão infindáveis foram aqueles dias...
         Porém, como tudo nessa vida, passaram.
Foram-se todos e prestaram o vestibular. E voltaram...
         Até agora suportara tudo com muita paciência, mas daí a admitir que sua filha acompanhada por um bando de marmanjos aprontasse pelas ruas da cidade, bebendo e gritando em seu próprio carro era inadmissível. E saiu de encontro aos fanfarrões deixando um empregado cuidando do mercado, disposto a acabar com aquela palhaçada.
         Ao se aproximar recebeu um inesperado e apertado abraço de Seu Afonso, o farmacêutico, que o parabenizava.
         __ Ela realmente merece... A gente confiava nela.
         __ Passei, pai... - gritava emocionada Lúcia ao vê-lo tão perto.
         Abraços, beijos e muito choro envolveram pai e filha enquanto o rapaz do brinquinho lhe estendia a mão.
         __ Ele passou em medicina pai...
         Estendendo um largo sorriso João abraçou o menino e disse:
         __ Eu sabia... Acreditava nela... Esperava por este dia!

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